Catecismo Ortodoxo

Parte II

Deus Manifestado no Mundo

20 - Escatologia Cristã
a - O futuro do mundo e do género humano

O Símbolo da Fé (Credo) de Nicéia-Constantinopla, no sétimo, décimo-primeiro e décimo segundo parágrafo, contém a Confissão de Fé Ortodoxa sobre a futura vinda do Filho de Deus para a terra, o Juízo Geral (Final) e a futura vida eterna.
Parágrafo 7: «De novo há de vir cheio de glória, para julgar os vivos e os Mortos: e o Seu Reino não terá fim».
Parágrafo 11: «Espero a Ressurreição dos mortos».
Parágrafo 12: «E a vida do mundo que há de vir».
Na Economia Divina há um plano para o futuro até o final do tempo. E uma parte inseparável do ensinamento cristão é composta do que a Palavra de Deus conta-nos sobre os eventos do final dos tempos; a Segunda Vinda do Senhor, a ressurreição dos mortos, e o fim do mundo - e então sobre o começo do Reino de Glória e a vida eterna. A última parte da teologia dogmática fala então da culminação do grande processo cujo início é apresentado na primeira página do livro da Génesis.

b - O destino do homem após a morte

Morte é o destino comum dos homens. Mas para o homem não é um aniquilamento, mas só a separação da alma e do corpo. A verdade da imortalidade da alma humana é uma das verdades fundamentais do cristianismo. "Ora Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos" (Mt. 22, 32; Lc. 20, 38). Na Sagrada Escritura, no Novo Testamento a morte é chamada de libertação da alma da prisão (2 Cor. 5, 1-4); dispensa do corpo ("sabendo que brevemente hei-de deixar este meu tabernáculo" - 2 Ped. 1, 14); uma dissolução ("tendo desejo de partir, e estar com Cristo, porque isto é ainda muito melhor" – Filip. 1, 23); uma partida ("e o tempo de minha partida está próximo" - 2 Tim. 4, 6); um sono (David "dormiu" - Act. 13, 36).
O estado da alma depois da morte, de acordo com o claro testemunho da Palavra de Deus não é inconsciente mas consciente (por exemplo, de acordo com a parábola do homem rico e Lázaro, (Lc. 16, 19-31). Depois da morte o homem também é submetido a um julgamento que é chamado de "particular" para distingui-lo do juízo final geral. É fácil na visão do Senhor recompensar um homem "no dia da morte de acordo com sua conduta" diz o sábio filho de Sirach (11, 26). O mesmo pensamento é expresso pelo Apóstolo Paulo: "E como aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo" (Heb. 9, 27). O Apóstolo apresenta o julgamento como algo que se segue imediatamente após a morte do homem, e evidentemente ele entende isso não como o julgamento geral mas como um julgamento particular, como os Santos Padres da Igreja interpretaram essa passagem "... hoje estarás comigo no Paraíso" (Lc. 23, 43), o Senhor proclamou para o ladrão arrependido.
Na Sagrada Escritura não nos é dado conhecer como o julgamento particular ocorre depois da morte de um homem. Nós podemos julgar isso só em parte por expressões separadas que são encontradas na Palavra de Deus. Assim, é natural pensar que no julgamento particular também uma grande parte no destino de um homem depois da morte é tomada tanto por bons quanto por maus anjos: os primeiros são implemento da misericórdia de Deus, e os últimos - por permissão de Deus - são implementos da justiça de Deus. Na parábola do homem rico e Lázaro, é dito que "Lázaro foi levado pelos anjos para o seio de Abraão" (Lc. 16, 22). Na parábola do rico homem louco é dito a ele: "Louco, esta noite pedir-te-ão a tua alma" (Literal: "eles tomarão" - Lc. 12, 20); evidentemente são poderes malignos que "tomarão a alma" (São João Crisóstomo)! Pois, de um lado, os anjos desses "pequeninos", nas Palavras do Senhor, contemplam sempre a face do Pai Celeste (Mt. 18, 10), e no final do mundo o Senhor enviará os Seus anjos, que "separarão os justos, e lançá-los-ão na fornalha de fogo" (Mt. 13, 49-50); e de outro lado, "porque o diabo vosso adversário, anda em redor, bramando como leão, buscando a quem possa tragar" (1 Ped. 5, 8); e o ar, assim como era, é preenchido com os espíritos malignos sob os céus, e seu príncipe é chamado de "príncipe das potestades do ar" (Ef. 2, 2).
Baseados nessas indicações da Sagrada Escritura, desde a antiguidade os Santos Padres da Igreja, desenharam o caminho da alma após sua separação do corpo como um caminho da alma após sua separação do corpo como um caminho através de tais espaços espirituais, onde os poderes das trevas procuram devorar aqueles que são fracos espiritualmente e onde por isso tem-se uma necessidade especial de ser defendido por anjos celestes e apoiado pelas orações de parte dos membros vivos da Igreja. Entre os antigos padres os seguintes falam sobre isso - São Efrem, o Sírio; Atanásio, o Grande; Macário, o Grande; Basílio, o Grande; João Crisóstomo, e outros.
O desenvolvimento mais detalhado dessas ideias é feito por São Cirilo de Alexandria em sua "Homilia sobre a Partida da Alma", que usualmente é impressa no Saltério Sequencial (o Saltério com adições dos ofícios Divinos). Um desenho desse caminho é apresentado na vida de São Basílio, o Novo (28 Março), onde a Bem-aventurada Teodora falecida, comunica a um discípulo de Basílio durante o sono deste, o que ela viu e experimentou depois da separação de sua alma de seu corpo e durante a ascensão da alma para as moradas celestes.
O caminho da alma após sua partida do corpo é costumeiramente chamado de "pedágios". A respeito das imagens nos relatos dos pedágios, o Metropolita Macário em seu «Orthodox Dogmatic Tehology» destacava: "Deve-se firmemente recordar a instrução que o anjo deu a São Macário de Alexandria assim que ele começou a contar sobre os pedágios: ‘Aceita as coisas terrenas daqui como o mais fraco tipo de descrição das coisas celestes’. Deve-se pintar o pedágio o mais distante possível num sentido espiritual, que está oculto sob traços maiores ou menores, sensoriais e antropomórficos" (Para um relato detalhado sobre o entendimento Ortodoxo dos pedágios, ver «The Soul After Death», Saint Herman Brotherhood, Platina, CA, 1980, p. 73-96).
A respeito do estado da alma depois do Julgamento Particular, a Igreja Ortodoxa ensina assim: "Nós acreditamos que as almas dos mortos estão num estado de bênção ou tormento de acordo com suas acções. Depois de estar separada do corpo, elas passam imediatamente para o estado de júbilo ou para aflição e pesar, no entanto, elas não sentem bem-aventurança completa ou tormento completo. Para bem-aventurança completa ou tormento completo cada um recebe depois da Ressurreição Geral, quando a alma é reunida com o corpo no qual viveu em virtude ou em vício. Assim a Igreja Ortodoxa distingue em outras palavras, paraíso ou inferno. A Igreja não reconhece o ensinamento Católico Romano de três condições: 1 - bênção; 2 - Purgatório e 3 - Gehena (Inferno). Ao nome "gehena" os Padres da Igreja usualmente empregam referindo-se a condição depois do Juízo Final, quando ambos, mortos e inferno serão jogados no "lago de fogo" (Apoc. 20, 15). Os Padres da Igreja, baseando-se na Palavra de Deus, supõe que o tormento dos pecadores antes do Juízo Final tem um carácter preparatório. Esses tormentos podem ser diminuídos ou mesmo eliminados pelas orações da Igreja (Epístola dos Patriarcas Orientais, parágrafo 19). Da mesma forma, os espíritos decaídos são "reservados em cadeias de escuridão, para o juízo" (2 Ped. 2, 4; Judas 1, 6).

c - Sobre as Questões dos "Pedágios".

A Nossa Guerra não é contra a carne e nem contra o sangue.
A nossa vida entre uma população que, apesar de ser nominalmente Cristã, tem em muitos aspectos concepções e visões diferentes das nossas no Reino da fé. Às vezes isso inspira-nos a responder a questões da nossa fé quando elas são levantadas e discutidas de um ponto de vista não Ortodoxo por pessoas de outras confissões religiosas, e às vezes por Cristãos Ortodoxos que não têm mais (ou nunca tiveram) uma base Ortodoxa firme sob seus pés.
Nas condições limitadas de nossas vidas desafortunadamente nós somos incapazes de reagir totalmente a afirmações ou a responder as questões que surgem, no entanto, às vezes sentimos essa necessidade. Em particular, nós temos ocasião agora de definir a visão Ortodoxa dos "pedágios", que é um dos tópicos de um livro que apareceu em inglês sob o título «Christian Mitology» pelo Cánon George Every. Os pedágios são a experiência da alma Cristã imediatamente depois da morte, como essas experiências são descritas pelos Padres da Igreja e por ascetas Cristãos. Em anos recentes tem sido observada uma aproximação crítica a uma completa série de crenças da nossa Igreja; essas crenças são vistas como "primitivas", o resultado de uma "ingénua" visão do mundo, e elas são caracterizadas por palavras como "mitos", "mágicos", e semelhantes. E é nossa obrigação responder.
O assunto dos pedágios não é especificadamente um tópico da teologia Cristã Ortodoxa; não é um dogma da Igreja em sentido preciso, mas engloba material de carácter moral e edificante, podendo dizer-se pedagógico. Para se aproximar do assunto correctamente, é essencial compreender as bases da visão do mundo Ortodoxo. "Porque, qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o espírito do homem, que nele está? Assim também, ninguém sabe as coisas de Deus, senão o espírito de Deus" (1 Cor. 2, 11-12). Nós mesmos devemos chegar mais perto da Igreja, "para que possamos conhecer o que nos é dado gratuitamente por Deus" (1 Cor. 2, 12). Na questão presente a base é: nós acreditamos na Igreja. A Igreja é o corpo celeste e terrestre de Cristo, pré-designado para a perfeição moral dos membros de sua parte terrestre e para a abençoada, jubilosa e sempre activa vida de suas fileiras em seu reino celeste. A Igreja na terra glorifica a Deus, une os fiéis e os seus próprios filhos quanto a vida do género humano. Seu objectivo principal é ajudar os fiéis a atingir a vida eterna em Deus, o alcançar da santidade, sem a qual "ninguém terá o Senhor" (Heb. 12, 14).
Assim, é essencial que haja constante comunhão entre aqueles que estão na Igreja e na terra e a Igreja celeste. No Corpo de Cristo todos os seus membros são interactivos. No Senhor, o Pastor da Igreja, existe, como existiu, dois rebanhos: o celeste e o terrestre (Epístola dos Patriarcas Orientais, século XVII). "... se um membro padece, todos os membros padecem; e se um membro é honrado, todos os membros se regozijam com ele" (1 Cor. 12, 26). A Igreja celeste regozija, mas ao mesmo tempo simpatiza com seus companheiros membros na terra. São Gregório, o Teólogo, deu a Igreja terrestre de seu tempo o nome de "Ortodoxia sofredora"; e assim permaneceu até hoje. Essa interacção é valiosa e indispensável para o objectivo comum que "cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo, do qual todo o corpo bem ajustado, e ligado pelo auxílio de todas as juntas, segundo a justa operação de cada parte, faz o aumento do corpo, para a sua edificação em amor" (Ef. 4, 15-16).
O fim disso tudo é a deificação no Senhor, que "Deus seja tudo em todos" (1 Cor. 15, 28). A vida terrestre do Cristão deveria ser um lugar de crescimento espiritual, progresso, ascensão da alma para o céu. Nos temos um profundo pesar que, com a exceção de uns poucos de nós, apesar de conhecer nosso caminho, nós nos mantemos bem afastados dele por conta de nosso apego àquilo que é exclusivamente terrestre. E, apesar de estarmos prontos para oferecer arrependimento, ainda continuando a viver descuidados. No entanto, não existe em nossas almas aquela assim chamada "paz da alma" que está presente na psicologia cristã ocidental, que é baseada em algum tipo de "moral mínima", isto é, tendo cumprido minha obrigação que provê uma disposição conveniente da alma posso ocupar-me com interesses mundanos.
No entanto, é precisamente ai, onde a "paz da alma" termina, que se abre um campo de perfeição para o trabalho interior dos Cristãos, "Porque se pecarmos voluntariamente depois de termos recebido o conhecimento da verdade, já não resta mais sacrifício pelos pecados, mas uma certa expectação horrível de juízo, e ardor de fogo, que há de devorar os adversários... horrenda coisa é cair nas mãos do Deus vivo" (Heb. 10, 26-27.31). Passividade e descuido não são naturais para a alma; sendo passivos e descuidados nós nos rebaixamos. No entanto, para nos levantarmos precisamos de constante vigilância da alma, e mais do que isso, luta.
Com quem é essa luta? Só consigo mesmo? "Porque não temos que lutar contra a carne e o sangue, mas sim contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais" (Ef. 6, 12).

d - Aqui nos aproximamos do assunto dos pedágios

Não é por acaso que a Oração do Senhor terminava com as palavras: "Não nos deixe cair em tentação mas livra-nos do Maligno". A respeito do Maligno, em outro de Seus discursos o Senhor disse aos seus discípulos: "Eu via Satanás, como raio, cair do céu" (Lc. 10, 18). Jogado para baixo do céu, ele tornou-se então um residente das esferas inferiores, o príncipe das potestades do ar, o príncipe da legião de espíritos imundos. "E quando o espírito imundo tem saído do homem" mas não encontra repouso para si, ele retorna a casa de onde havia saído e achando desocupada, varrida e adornada "então vai e leva consigo outros espíritos piores do que ele e entrando habita ali, e são os últimos actos desse homem piores do que os primeiros. Assim acontecerá também a essa geração má" (Mt. 12, 43-45).
Foi só uma geração? A respeito da mulher curada que foi curada no Sábado, o Senhor não respondeu: "E não convinha soltar desta prisão. No dia de sábado esta filha de Abraão, a qual há dezoito anos Satanás a tinha presa?" (Lc. 13, 16).
Os Apóstolos em suas instruções não esquecem de nossos inimigos espirituais: São Paulo escreve aos Efésios: "Em que noutro tempo andastes segundo o curso desse mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos da desobediência" (Ef. 2, 2). Desse modo, agora, "revesti-vos de toda a armadura de Deus, para que possais estar firmes contra as astutas ciladas do Diabo" (Ef. 6, 11). "porque o Diabo... bramando como leão, busca a quem possa devorar" (1 Ped. 5, 8). Sendo Cristão, podemos chamar essas citações da Escritura de "mitologia"?
Esses avisos dados a gerações previas encontrados na palavra escrita de Deus também se referem a nós. Por isso os obstáculos à salvação são os mesmos. Alguns deles são devidos à nossa própria falta de cuidado, nossa auto-confiança, nossa falta de preocupação, nosso egoísmo, ás nossas paixões do corpo; outros estão nas tentações e os tentadores que nos circundam; em pessoas, e nos poderes invisíveis das trevas que nos circundam. Eis ai porque, em nossas orações pessoais diárias nós pedimos a Deus. Não permitir nenhum "sucesso do maligno" (das Orações Matutinas), isto é, que não nos seja permitido nenhum sucesso em nossos feitos que possa ocorrer com a ajuda dos poderes das trevas. Em geral, em nossas orações privadas e também nas louvações divinas públicas, nós nunca perdemos de vista a idéia de sermos transladados para uma vida diferente após a morte.
Nos tempos dos Apóstolos e dos primeiros Cristãos, quando os Cristãos eram mais inspirados, quando a diferença entre o mundo pagão e o mundo dos cristãos era muito mais clara, quando o sofrimento dos mártires era a luz do Cristianismo, existia menos preocupação em apoiar o espírito dos Cristãos orando sozinho. Mas o Evangelho é abrangente! As demandas do Sermão da Montanha não tiveram significado só para os Apóstolos! E por isso, nos escritos dos Apóstolos nós já lemos não simples instruções, mas também avisos a respeito do futuro, quando nós tivermos que prestar contas.
" Revesti-vos de toda armadura de Deus, para que possais estar firmes contra as astutas ciladas do Diabo... para que possais resistir no dia mau, e, havendo feito tudo, ficar firmes" (Ef. 6, 11-13). "Porque, se pecarmos involuntariamente, depois de termos recebido o conhecimento da verdade, já não resta mais sacrifício pelos pecados, mas uma certa expectação horrível de juízo, e ardor de fogo, que há de devorar os adversários... horrenda coisa é cair nas mãos do Deus vivo" (Heb. 10, 26-31). E apiedai-vos de alguns, que estão duvidosos; E salvai alguns arrebatando-os do fogo; tende deles misericórdia com temor, aborrecendo até a roupa manchada da carne. (Jud. 22, 23). "Porque é impossível que os que já foram iluminados; e provaram o dom celestial, e se fizeram participantes do Espírito Santo e provaram a boa palavra de Deus, e as virtudes do século futuro, e recaíram sejam outra vez renovados, para arrependimento, pois assim quanto a eles, de novo crucificaram o Filho de Deus, e o expõe ao vitupério" (Ef. 6, 4-6).
Assim era na era Apostólica. Mas quando a Igreja, tendo recebido liberdade, começou a crescer com massas de povo, quando a inspiração geral da fé começou a enfraquecer, existiu uma necessidade mais crítica de palavras mais poderosas, para denuncias, para chamar à vigilância espiritual, para temor de Deus e temer pela própria fé. Na colecção de instruções pastorais do mais zelosos arquipastores lemos homilias severas dando descrições do futuro julgamento que nos espera depois da morte. Essas homilias tinham a intenção de trazer pecadores a seus sentidos, e evidentemente elas eram dadas durante períodos de arrependimento cristão geral antes da Grande Quaresma. Nelas estava a verdade da justiça de Deus, a verdade que nada imundo entrará no reino da santidade e esta verdade era vestida de vívidas, parcialmente figurativas imagens, próximas a imagens do julgamento que se segue imediatamente após a morte de "pedágios". As mesas dos publicanos, os colectores de taxas e obrigações, eram evidentemente pontos para deixar que alguém fosse além na estrada para a parte central da cidade. Lógico que a palavra "pedágio" não indica para nós nenhum significado religioso particular. Na linguagem patrística ela significa aquele curto período depois da morte quando a alma Cristã tem que prestar contas por seu estado moral.
São Basílio escreve: "Que ninguém se engane com palavras vazias, "pois então lhe sobrevirá repentina destruição" (1 Tess. 5, 3) e causa uma reviravolta como uma tempestade. Um anjo estrito virá, ele forçosamente conduzirá a tua alma, ligada a pecado. Ocupe-se portanto com reflexões no último dia... Imagine para si próprio a confusão, o curto respirar, e a hora da morte, a sentença de Deus chegando perto, os anjos se apressando para ti, a terrível confusão da alma atormentada por sua consciência, com teu lastimável semblante olhando o que está acontecendo e finalmente a inevitável translação para um lugar distante (São Basílio, o Grande, citado em «Essay in na Historical Exposition of Orthodoxy Theology», por Bishop Sylvester, vol. 5, p. 89).
São Gregório, o Teólogo, que guiou um grande rebanho só por curtos períodos, limita-se a palavras gerais dizendo que "cada um é um juiz de si próprio, por causa da cadeira de julgamento esperando por ele".
Há uma descrição mais chocante encontrada em São João Crisóstomo: "Se, dirigindo-nos para lugares estrangeiros ou cidades nós necessitamos de guias, então de quantos ajudantes e guias nós precisaremos para passar não retardados e embaraçados pelos anciãos, pelas potestades, pelos governadores do ar. Os perseguidores, os colectores chefes! Por essa razão a alma, voando para fora do corpo, frequentemente sobe e desce, teme e treme. A consciência dos pecados sempre nos atormenta, ainda mais na hora quando formos conduzidos para aquele julgamento e para aquele assustador local de julgamento! Continuando São João Crisóstomo, dá instruções morais para um modo de vida cristão. Como para crianças que morreram, ele coloca em suas bocas as seguintes palavras: "Os santos anjos pacificamente nos separam de nossos corpos, e tendo bons guias, nós passamos sem dano pelos poderes do ar. Os espíritos malignos não encontraram em nós o que eles estavam buscando; eles não notaram o que eles queriam envergonhar; vendo uma alma imaculada; eles ficaram envergonhados; vendo uma língua impoluta, eles ficaram mudos. Nós passamos por eles e pusemo-los em vergonha. A rede estava rasgada e fomos libertados. Bendito seja Deus que não nos deu como presa para eles" (São João Crisóstomo, Homilia 2, «On Remembering the Dead»).
A Igreja Ortodoxa descreve os mártires cristãos, homens e mulheres, como atingindo a câmara nupcial tão livremente como crianças e sem dano. No quinto século a descrição do julgamento da alma após sua partida do corpo, chamado de Julgamento Particular, era ainda mais justo da descrição dos pedágios, como nós vemos em São Cirilo de Alexandria em sua «Homily on the Departure of the Soul», que resume as imagens desse tipo nos Padres da Igreja que o precederam.
É perfeitamente claro para qualquer um que imagens puramente horrendas são aplicadas a assuntos espirituais para que a imagem sendo impressa na memória possa acordar a alma do homem: "Vê o noivo vem à meia-noite, e bendito é o servo que ele encontrar atento" ao mesmo tempo, nessas descrições o pecado que está presente no homem decaído é revelado em seus vários tipos e formas, e isso inspira o homem a analisar seu próprio estado de alma. Nas instruções dos ascetas cristãos os tipos de formas de pecado têm uma estampa especial própria; nas vidas dos santos há também uma estampa característica.
Dada a disponibilidade das vidas dos santos, o relato dos pedágios pela justa Teodora, descrito por ela em detalhe por São Basílio, o Novo, em seu sonho, tornou-se especialmente bem conhecido. Autenticas visões das almas dos que partilham sem sua forma terrena. O relato de Teodora tem as características de um e de outro. A ideia de que bons espíritos, ou anjos da guarda, assim como também os espíritos malignos abaixo do céu participam no destino do homem (após a morte), encontram confirmação na parábola do homem rico e Lázaro. Lázaro imediatamente após a morte foi levado por anjos para o seio de Abraão. E outra parábola, o homem injusto ouve essas palavras: "Louco, esta noite pedir-te-ão a tua alma" (Lc. 12, 10); evidentemente quem "pede" são os mesmos espíritos malignos abaixo do céu.
De acordo com a lógica simples e também com a confirmação pelo Verbo de Deus a alma imediatamente após sua separação do corpo entra numa espera onde seu destino futuro é definido. "E, como aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo", lemos nós no Apóstolo Paulo (Heb. 9, 27). Esse é o Julgamento Particular, que é independente do Juízo Final Universal.
O ensinamento a respeito do Julgamento Particular de Deus entra na esfera da teologia dogmática. Para os pedágios, escritores russos de sistemas gerais de teologia limitam-se a uma nota bem estereotipada: "A respeito de todas as imagens terrenas sensoriais pelas quais o Julgamento Particular é apresentado na forma de pedágio, embora na ideia fundamental eles são completamente verdadeiros, ainda assim eles deveriam ser aceitos do modo que o anjo instruiu São Macário de Alexandria, sendo somente os mais fracos meios de descrever as coisas celestes" (Ver Macário, Metropolita de Moscovo em «Orthodox Dogmatic Theology», São Petesburgo, 1883, vol 2, p 538; também o Livro do Bispo Silvestre, reitor da Academia Teológica de Kiev. Arcebispo Filaret de Cherwingov, em seus dois volumes sobre teologia dogmática, não comenta sobre esse assunto).
Se alguém se queixar do carácter assustador das descrições dos pedágios - não há muitas descrições deste tipo nas escrituras do Novo testamento e nas palavras do Senhor? Não ficamos assustados pela pergunta simples: "...como entraste aqui, não tendo vestido nupcial?" (Mt. 22, 12).
Nós atendemos à discussão sobre pedágios, um tópico que é secundário no reino do nosso pensamento Ortodoxo, porque ele nos dá oportunidade de iluminar a essência da nossa vida em Igreja. Nossa vida na Igreja Cristã, é de oração não interrompida em comunhão com o mundo celeste. Não é uma simples "invocação dos santos", como é frequentemente chamada; é uma interacção em amor. Por ela o Corpo todo da Igreja, estando unido e reforçado em seus membros e ligações "vai crescendo em aumento de Deus" (Col. 2, 19). Pela Igreja "chegamos à Jerusalém Celestial, e aos muitos milhares de anjos, à universal assembleia e igreja dos aperfeiçoados" (Heb. 12, 22 - 23). Nossa interacção em oração estende-se em todas as direcções. Foi-nos ordenado: "Orai uns pelos outros". Nós vivemos de acordo com o princípio da fé: "vivamos ou morramos, somos do Senhor" (Rom. 14, 8). "O amor nunca falha" (1 Cor. 13, 8). "porque o amor cobrirá a multidão de pecador" (1 Ped. 4, 8).
Para a alma não há morte. Vida em Cristo é um mundo de oração. Ela penetra o corpo todo da Igreja, une todos os membros da Igreja como o Pai celestial, os membros da Igreja terrena entre si e os membros da igreja terrena com a Igreja celeste. Orações são o fio da fábrica viva do corpo da Igreja, pois "a oração feita por um justo pode muito" (Tiago 5, 16). Os vinte e quatro anciãos no céu no trono de Deus se prostram diante do Cordeiro, cada um tendo harpas e salvas de ouro cheias de incenso "que são a oração dos Santos" (Apoc. 5, 8); isto é, eles oferecem oração na terra para o trono celeste.
A Igreja ensina-nos que o Senhor é compassivo e misericordioso, tolerante e paciente com ofensas e pródigo em misericórdia, e está pesaroso sobre os feitos malignos dos homens, tomando sobre si nossas enfermidades. Na Igreja celeste estão também nossos intercessores, nossos ajudantes, aqueles que oram por nós. A Puríssima Mãe de Deus é a nossa protecção. As nossas orações são as orações dos santos, escritas por eles, que vieram de seus corações contritos durante os dias de suas vidas terrenas. Aqueles que oram podem sentir isso, e assim os próprios santos chegam mais perto de nós. Tais são as nossas orações diárias; tal também é o ciclo completo dos ofícios Divinos de todo dia, de toda semana, e das festas.
Toda essa literatura litúrgica não foi concebida como um exercício académico. Os inimigos do ar são impotentes contra tal ajuda. Mas nós devemos ter fé e nossas orações devem ser fervorosas e sinceras. Há mais alegria no céu por um que se arrepende, que por outro que não tem necessidade de arrependimento. Com que insistência a Igreja nos ensina (nas litanias) a passar o "resto de nossas vidas na paz e no arrependimento", e morrer assim! Ela nos ensina a chamar a nossa memória a Santíssima, Puríssima e Abençoadíssima Senhora Theotokos e todos os santos, entregando-nos e cada um de nós em cada instante de nossa vida a Cristo nosso Deus.
Ao mesmo tempo, com toda essa nuvem de protectores celestes, não ficamos contentes pela especial proximidade de nós de nossos anjos da guarda. Eles são mansos, eles se regozijam connosco, e também ficam pesarosos com nossas quedas. Nós ficamos preenchidos com esperança neles, no estado que nós estaremos quando nossa alma for separada do corpo, quando tivermos que entrar na nova vida: será na luz ou nas trevas, em alegria ou tristeza? Por isso, todos os dias oramos para nossos anjos pelo dia presente: "Livra-nos de toda astúcia do inimigo oponente". Em cánones especiais de arrependimento nós imploramos aos anjos que não se afastem de nós para após a nossa morte: "Eu vejo-te com meu olhar espiritual, tu que permanece comigo meu companheiro, santo anjo, observando, acompanhando e sempre permanecendo comigo e sempre oferecendo a mim o que é para salvação". "Quando minha humilde alma for liberada do meu corpo, possa tu cobri-la, ó meu instrutor, com teu brilho e sagradas asas". "Quando o assustador som da trombeta me ressuscitar para o julgamento, fica perto de mim então; quieto e alegre, e que tua esperança na minha salvação retire o meu medo". "Pois tu és beato em virtude e doce e alegre, uma mente brilhante como o sol; intercede brilhantemente por mim com a face alegre e o semblante radiante quando, eu estiver para ser tirado da terra". "Possa eu então te ver levantando a mão direita de minha miserável alma, brilhante e quieto, tu que intercede e ora por mim, quando meu espírito for tomado à força; possa eu te ver banindo aqueles que me buscam, meus amargos inimigos" (do Cánon para o Anjo da Guarda de João, o Monge, no Livro de Orações para os Padres).
Assim, a Santa Igreja pelas fileiras dos seus construtores, os Apóstolos, os grandes hierarcas, os santos ascetas, tendo como seu pastor chefe Nosso Salvador e Senhor Jesus Cristo, criou e nos dá todos os meios para a perfeição espiritual e o atendimento da eternamente abençoada vida em Deus, instilando em nós um espírito de vigilância e luminosa esperança, cercando-nos com santos guias e ajudantes celestes. No «tipikon» dos ofícios Divinos da Igreja, nos é dada um caminho directo para o alcance do Reino de Glória.
Entre as imagens do Evangelho a Igreja com frequência lembra-nos da parábola do filho pródigo, e uma semana no ciclo anual dos ofícios da Igreja é inteiramente dedicada a essa lembrança para que possamos conhecer o ilimitado amor de Deus, e o facto de que um sincero, contrito, cheio de lágrimas arrependimento de um homem que crê supera todos os obstáculos e todos os pedágios no caminho do Pai celeste.

e - Os sinais da Segunda Vinda do Senhor

Não era agradável ao Senhor - para nosso próprio benefício moral – revelar-nos o tempo do "último dia" do céu e terra presentes, o dia da vinda do Filho do Homem, "O Dia do Senhor". "...daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, mas unicamente meu Pai" (Mt. 24, 36). "Não vos pertence saber os tempos ou as estações que o Pai estabeleceu pelo seu próprio poder" (Atc. 1, 7). O facto de que o tempo é desconhecido deveria levar os Cristãos a uma constante vigilância espiritual: "Olhai, vigiai e orai, porque não sabeis quando chegará o tempo... e as coisas que vos digo digo-as a todos: Vigiai". (Mc. 13, 33-37)
No entanto, o desconhecimento do tempo do Senhor não deveria evitar que os Cristãos reflectissem profundamente sobre o curso dos eventos históricos discernindo neles os sinais de aproximação do tempo do "último dia". O Senhor ensinou: "Aprendei pois esta parábola da figueira: quando já os seus ramos se tornam tenros e brotam folhas sabeis que está próximo o verão. Igualmente, quando virdes todas essas coisas, sabe que ele está próximo às portas" (Mt. 24, 32-33).
Aqui estão alguns dos sinais indicados na Palavra de Deus:
A - O espalhamento do Evangelho para o mundo todo: "E este evangelho do reino será pregado em todo o mundo, em testemunho a todas as gentes, e então virá o fim" (Mt. 24, 14).
B - De outro lado, haverá uma extraordinária manifestação dos poderes do Demónio: "E por se multiplicar a iniquidade de muitos esfriará" (Mt. 24, 12). O Apóstolo Paulo diz: "...nos últimos dias sobrevirão tempos trabalhosos. Porque haverá homens amantes de si mesmo, avarentos, presunçosos, soberbos, blasfemos... mais amigos dos deleites do que amigo de Deus, tendo aparência de piedade, mas negando a eficácia dela" (2 Tim. 3, 1-5). A fé em geral crescerá fraca: "...Quando vier o Filho do homem, porventura achará fé na terra?" (Lc. 18, 8).
C - O Demónio levantará guerra contra o Reino de Cristo através do seu instrumento, o Anticristo. O nome Anticristo é usado na Sagrada Escritura com dois sentidos: no sentido amplo e geral ele indica todo inimigo de Cristo; esse é o sentido quando "Anticristo" são falados na primeira e segunda epístola de São João, o Teólogo. Mas num sentido particular, "Anticristo" significa uma pessoa definida - o adversário de Cristo que aparece antes do fim do mundo. A respeito das qualidades e acções desse Anticristo nós lemos no Apóstolo Paulo: "Ninguém de maneira alguma vos engane; porque não será assim sem que antes venha a apostasia, e se manifeste o homem do pecado, o filho da perdição, o qual se opõe, e se levanta contra tudo o que se chama Deus, ou se adora; de sorte que se assentará, como Deus, no templo de Deus, querendo parecer Deus... Porque já o mistério da injustiça opera: somente há um que agora resiste até que do meio seja tirado. E então será revelado o iníquo, a quem o Senhor desfará pelo assopro da sua boca, e aniquilará pelo esplendor da sua vinda; a esse cuja vinda é segundo a eficácia de Satanás, como todo o poder e sinais e prodígios de mentira, e com todo o engano da justiça para os que perecem, porque não receberam o amor da verdade para se salvarem. E por isso Deus lhes enviará a operação do erro, para que creiam a mentira" (2 Tess. 2, 3-11).
A imagem desse adversário de Deus é apresentado também no Profeta Daniel (7; 11); e no Novo Testamento no Apocalipse de São João, o Teólogo (11; 13). A actividade do Anticristo continuará até o dia do Juízo (2 Tess. 2, 8). O carácter da pessoa do Anticristo e as suas actividades estão descritas hipoteticamente, mas em detalhes, por São Cirilo de Jerusalém em sua «Catechetical Lectures» (a décima quinta); e por São Efrém, o Sírio, em sua «Homily on the Corning of the Lord and Antchrist» (ver, a tradução para o inglês de «Eerdmans das Catechetical Lectures», p. 106-110. A homilia de Santo Efrém, «Concerining the Coming of the End of the Wold and the Coming of Antichrist», foi traduzida para o inglês na «Orthodox Life» 1970, nº 3).
D - No Apocalipse de São João, o Teólogo, é indicada a aparição de "duas testemunhas" durante o período de actividade do Anticristo; eles profetizarão a verdade e realizarão milagres, e quando terminarem seu testemunho serão mortos, e então depois de "três dias e meio serão ressuscitados e ascenderão ao céu" (Apoc. 11, 3-12). (De acordo com a interpretação universal dos Santos Padres, essas "duas testemunhas" (também mencionadas em Zacharias cap. 3) são os justos do Velho Testamento Enoc e Elias, que nunca morreram mas foram carregados vivos para o céu, e enfrentarão sua morte terrena somente durante o reino do Anticristo).

f - A segunda vinda do Filho do Homem

O olhar espiritual do homem que acredita em Cristo, começando com a Ascensão da terra para o céu do Filho de Deus, tem sido dirigido para o maior evento futuro da historia do mundo: a sua Segunda Vinda para a terra.
Testemunhos para a realidade dessa esperada Vinda foram dados bastante definidamente muitas vezes pelo próprio Senhor Jesus Cristo, com uma série de detalhes a respeito (Mt. 16, 27 e cap. 24; Lc. 12, 40 e 17, 24; Jo. 14, 3). Os anjos declararam a Segunda Vinda na Ascensão do Senhor (Atc. 1, 11). Os Apóstolos com frequência a mencionam: o Apóstolo Judas (versículos 14, 15); o Apóstolo João (1 Jo. 2, 28); o Apóstolo Pedro (1 Ped. 4, 13); e o Apóstolo Paulo muitas vezes (1 Cor. 3, 5; 1 Tess. 5, 2-6 e em outros lugares).
O Senhor descreveu para os seus discípulos a maneira da sua vinda com as seguintes características: ela será súbita e obvia para todo o mundo: "Porque, assim como o relâmpago sai do Oriente e se mostra até o ocidente, assim será a vinda do Filho do Homem" (Mt. 24, 27).
Antes de tudo, "aparecerá no céu o sinal do Filho do Homem, e todas as tribos da terra se lamentarão" (Mt. 24, 30). Esse, de acordo com a interpretação universal dos Santos Padres da Igreja, será o sinal da vivificante Cruz do Senhor.
O Senhor virá cercado por inumeráveis coros de anjos, em toda a sua glória: "Eles verão o Filho do Homem, vindo sobre as nuvens do céu, com poder e grande glória" (Mt. 24, 30), "com os santos anjos" (Mc. 8, 38). "Ele se assentará no trono da Sua glória" (Mt. 25, 31). Assim a Segunda Vinda será diferente da primeira quando o Senhor: “humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até a morte, e morte na cruz” (Filip. 2, 8).

g - A ressurreição dos mortos

No grande dia da Vinda do Filho do Homem será cumprida a ressurreição universal dos mortos em uma aparência transfigurada. A respeito da ressurreição dos mortos o Senhor diz: "porque vem a hora em que todos os que estão nos sepulcros ouvirão a sua voz; e os que fizeram o bem sairão para a ressurreição da vida; e os que fizerem o mal para a ressurreição da condenação" (Jo. 5, 28-29). Quando os saduceus expressaram descrença na possibilidade da ressurreição, o Senhor censurou-os: "Errais, não conhecendo as Escrituras, nem o poder de Deus" (Mt. 22, 29).
A certeza na verdade da ressurreição e da importância da crença na ressurreição foram expressas pelo Apóstolo Paulo nas seguintes palavras: "E se não há ressurreição dos mortos, também Cristo não ressuscitou. E se Cristo não ressuscitou logo é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé. E assim somos também considerados como falsos testemunhos de Deus, pois testificamos de Deus que ressuscitou a Cristo, ao qual, porém, não ressuscitou, se, na verdade, os mortos não ressuscitam... Mas agora Cristo ressuscitou dos mortos, e foi feito as primícias dos que dormem... Porque, assim como todos morrem em Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo" (1 Cor. 15, 13-15; 20, 22).
A ressurreição dos mortos será universal e simultânea tanto dos justos quanto dos pecadores. Todos os mortos: "ouvirão a sua voz. E os que fizeram o bem sairão para a ressurreição da vida; e os que fizeram o mal para a ressurreição da condenação" (Jo. 5, 29). "Há-de haver ressurreição de mortos, assim dos justos como dos injustos" (Act. 24, 15 essas são as palavras do Apóstolo Paulo diante do governador Félix). Se o mesmo Apóstolo noutro lugar (1 Cor. 15 e também 1 Tess. 4), falando da ressurreição dos mortos em Cristo, não menciona a ressurreição dos pecadores, isto é evidentemente por causa do seu propósito directo que é de forçar a fé dos Cristãos em sua futura ressurreição em Cristo. No entanto, não há duvida que a aparência ou forma dos ressuscitados justos será diferente da dos ressuscitados pecadores: "Então os justos resplandecerão como o sol, no reino de Deus Pai" - são palavras faladas pelo Senhor só sobre os justos (Mt. 14, 43) "alguns parecerão luz e os outros trevas", reflecte São Efrém, o Sírio, nessa passagem (Homilia «on the Fear of God and tje Last Judgemene»).
Da palavra de Deus deve-se concluir que os corpos ressuscitados serão essencialmente os mesmos que pertenceram a suas almas na vida terrena. "Convém que isto que é corruptível se revista da incorruptibilidade, e que isto que é mortal se revista da imortalidade" (1 Cor. 15, 53). Mas ao mesmo tempo, eles serão transfigurados, e primeiro de tudo, os corpos dos justos serão incorruptos e imortais, como é evidente das mesmas palavras do Apóstolo. Eles serão completamente livres das fraquezas e enfermidades da vida presente. Eles serão espirituais, celestes, não tendo necessidades corporais terrenas. A vida depois da ressurreição será como a vida dos espíritos sem carne, os anjos, de acordo com a palavra do Senhor (Lc. 20, 36). Para os pecadores, seus corpos também sem nenhuma dúvida se levantarão numa nova forma, mas recebendo uma natureza incorrupta e espiritual, ao mesmo tempo eles expressarão em si mesmos a condição de suas almas.
Com o objectivo de fazer a fé na futura transformação dos corpos mais fácil, o Apóstolo compara a futura ressurreição com semeadura, um símbolo da ressurreição dado por natureza: "mas alguém dirá: como ressuscitarão os mortos? E com que corpo virão? Insensato! O que tu semeias não é vivificado, se primeiro não morrer. E quando semeias, não semeias o corpo que há-de nascer, mas o simples grão, como de trigo, ou outra qualquer semente. Mas Deus dá-lhe o corpo como quer, e a cada semente o seu próprio corpo" (1 Cor. 15, 35-38).
Com o mesmo objectivo os Padres da Igreja indicaram que no mundo em geral nada é aniquilado e desaparece, e que Deus é poderoso para restaurar aquilo que Ele mesmo criou. Voltando à natureza, eles encontram nela similaridade com a ressurreição, tais como: o brotar de plantas de uma semente que é jogada na terra e apodrece ali; a renovação anual da natureza na primavera; a renovação do dia, o acordar do sono; a formação original do homem do pó da terra; e outras manifestações.
A ressurreição universal e os acontecimentos que a ela se seguem são realidades que nós somos incapazes de representar totalmente em nossa imaginação, já que nunca as experimentamos em sua autêntica forma futura; nem podemos compreendê-las completamente com nosso pensamento racional, nem resolver as numerosas questões que são postas pelas mentes curiosas a respeito desse assunto. Por isso, essas questões e as concepções pessoais que foram expressas em resposta a ela - frequentemente em várias formas - nos escritos dos Padres e Professores da Igreja não entram imediatamente no assunto da teologia dogmática, cuja obrigação é desenhar as verdades precisas da fé baseada na Sagrada Escritura.

h - O erro do quiliasmo

Bastante espalhado nos dias de hoje está o ensinamento a respeito do reino de Cristo na terra por mil anos antes do universal ou Juízo Final; esse ensinamento é conhecido pelo nome de "quiliasmo" (do grego «chiliasmos», mil anos). A essência desse ensinamento é o seguinte: muito antes do final do mundo, Cristo virá novamente para a terra para derrotar o Anticristo e ressuscitar somente os justos, para estabelecer um novo reino na terra no qual os justos, como recompensa por suas lutas e sacrifícios, reinarão junto com Ele pelo período de mil anos, regozijando-se com todas as coisas boas da vida temporal. Depois disso seguir-se-á uma segunda universal ressurreição dos mortos, o julgamento universal, e a universal e eterna doacção de recompensas. Essas são as ideias dos quiliastas. Os defensores desse ensinamento baseiam-se nas visões do visor de mistérios (João, o Teólogo) no 2º capítulo do Apocalipse. Ali é dito que um anjo desceu do céu e amarrou Satanás por mil anos que as almas daqueles que foram degolados por testemunho de Jesus e pela Palavra de Deus vieram à vida e reinaram com Cristo por mil anos. "Esta é a primeira ressurreição" (Apoc. 20, 5). "E acabando-se os mil anos, Satanás será solto da sua prisão e sairá a enganar as nações" (Apoc. 20, 7-8). Logo então segue o julgamento do Diabo e daqueles que foram enganados por ele. Os mortos serão levantados e julgados de acordo com seus feitos. "E aquele que não foi achado escrito no livro da vida foi lançado no lago de fogo... esta é a segunda morte" (Apoc. 20, 15). Sobre os que foram ressuscitados na primeira ressurreição, no entanto, na segunda morte não terá poder.
As visões quiliásticas estiveram espalhadas na antiguidade principalmente entre os heréticos. No entanto, elas também podem ser encontradas em certos escritores antigos, Cristãos da Igreja Universal, (por exemplo Papias de Hierápolis, Justino o Mártir, Irineu de Lyon). Em tempo mais recentes essas visões foram ressuscitadas nas seitas protestantes; e finalmente, nós vemos tentativas de certos teólogos modernistas de nosso tempo de introduzir ideias quiliásticas também no pensamento teológico Ortodoxo.
Como foi indicado, nesse ensinamento são supostos dois julgamentos futuros, um para os justos ressuscitados, e então um segundo, universal; há duas ressurreições futuras, primeiro uma dos justos, e então outra dos pecadores; há duas futuras vindas do Salvador em glória; há um futuro puramente terreno - ainda que bendito - reino de Cristo com os justos com uma definida época histórica. Formalmente, esse ensinamento é baseado num incorrecto entendimento da expressão "a primeira ressurreição"; enquanto interiormente, sua causa está enraizada na perda, entre as massas do sectarismo contemporâneo, da fé na vida depois da morte, na beatitude dos justos no céu (com quem as massas não têm comunhão em oração); e outra causa em certas seitas, é para ser encontrada nos sonhos utópicos para sociedades escondidas atrás de ideias religiosas e inseridas nas misteriosas imagens do apocalipse.
Não é difícil ver o erro na interpretação quiliástica do 2º capítulo do Apocalipse. Passagens paralelas claramente indicam que a "primeira ressurreição" significa renascimento espiritual na vida eterna em Cristo através do Baptismo, uma ressurreição através da fé em Cristo, de acordo com as palavras: "Desperta, tu que dormes, e levanta-te dentre os mortos e Cristo te esclarecerá" (Ef. 5, 14). "Vós ressuscitastes com Cristo", lemos muitas vezes nos Apóstolos (Col. 3, 1 e 2, 12; Ef. 2, 5-6). Procedendo disso, por reino de mil anos deve-se entender o período de tempo desde o início do reino da graça da Igreja de Cristo, e em particular da triunfante Igreja do céu, até o final do mundo. A Igreja que é militante na terra em essência também é triunfante na vitória executada pelo Salvador, mas ainda enfrenta batalha com o "príncipe desse mundo", uma batalha que terminará com a derrota de Satanás e com o final de joga-lo no lago de fogo.
A "segunda morte" é o julgamento dos pecadores no Juízo Final. Ela não tocará aqueles que "tem parte na primeira ressurreição" (Cap. 20, 6); isso significa que aqueles que são espiritualmente renascidos em Cristo e purificados pela graça de Deus na Igreja não serão submetidos a julgamento mas entrarão na vida abençoada do Reino em Cristo.
Se em algum tempo foi possível expressar ideias quiliásticas como opiniões particulares, foi só até o Concílio Ecuménico expressar o seu julgamento sobre isso. Mas quando o Segundo Concilio Ecuménico (381), condenando todos os erros do herético Apolinário, condenou também o seu ensinamento sobre os mil anos do Reino de Cristo e introduziu no próprio símbolo da fé as palavras a respeito de Cristo: "E seu Reino não terá fim" - tornou-se não mais possível de todo um Cristão Ortodoxo manter essas opiniões. (Um dos padres lideres da Igreja no inicio que combateu a heresia do quiliasmo foi o Bem-aventurado Santo Agostinho: ver as suas discussões sobre isso no «The City of God» 20, 7-9, p. 718-728. Ele liga a "prisão" do Diabo por mil anos (Apoc. 20, 2) com a "prisão" do "homem valente" em Mc. 3, 27 (ver também Jo. 12, 31; as palavras de Cristo logo antes de sua Paixão: "agora será expulso o príncipe desse mundo"), e afirma que "a prisão do demónio é ele ser impelido a exercer todo o seu poder para seduzir o homem". Os Cristãos Ortodoxos que experimentaram a vida da graça na Igreja podem entender bem o que os protestantes não podem: que os "mil anos" (o período todo) do Reino de Cristo com os seus santos e o poder limitado do Diabo é agora.
Um erro relacionado largamente espalhado entre protestantes contemporâneos, é o "rapto". Não ouvido antes do século XIX, essa crença diz que durante a "grande tribulação" próximo ao fim do mundo (ou antes ou depois do "milénio" de acordo com várias versões), os verdadeiros Cristãos serão "raptados" para o ar, para escapar dos sofrimentos que existirão para os que permanecerem na terra. Isso é baseado numa interpretação errada de 1 Tess. 4, 17, que ensina que no final do mundo propriamente dito os fiéis serão "arrebatados nas nuvens", junto com os mortos ressuscitados, "a encontrar o Senhor" que está vindo para o julgamento e a abertura do eterno Reino dos Céus. A Escritura é bem clara que mesmo os eleitos sofrerão na terra no período de "tributação", e que por eles esse período será abreviado (Mt. 24, 21-22).).

i - O final do mundo

Como resultado da queda do homem, a criação inteira foi involuntariamente submetida á "servidão da corrupção" e "geme... tem as dores do parto... juntamente connosco" (Rom. 8, 21-23). O tempo virá quando todo o mundo material e humano será purificado do pecado no mundo angélico. Essa renovação do mundo material será cumprida no "último dia", o dia quando o julgamento final do mundo será cumprido; e ele ocorrerá por meio de fogo o género humano antes do dilúvio pereceu sendo afogado na água. Mas o Apóstolo Pedro instrui-nos que: "Os céus e a terra que agora existem pela mesma palavra reservam-se como tesouro, e guardam-se para o fogo, até o dia do juízo, e da perdição dos homens ímpios" (2 Ped. 3, 7). "O dia do Senhor virá como o ladrão da noite no qual os céus passarão com grande estrondo, e os elementos ardendo se desfarão, e a terra e as obras que nela há, se queimarão... Mas nós segundo a sua promessa, aguardamos novos céus e nova terra, em que habita a justiça" (2 Ped. 3, 10-13).
Que o mundo presente não é eterno foi profetizado até pelo Salmista quando ele clama a Deus: "Desde a antiguidade fundaste a terra: e os céus são obra das tuas mãos. Eles perecerão, mas tu permanecerás: todos eles, como um vestido, envelhecerão; como roupas os mudarás, e ficarão mudados" (Sal. 102, 25-26). E o Senhor Jesus Cristo disse: "O céu e a terra passarão" (Mt. 24, 35).
O final do mundo consistirá não na sua total destruição e aniquilação, mas numa completa mudança e renovação. O Quinto Concílio Ecuménico, refutando vários ensinamentos falsos dos origenistas, solenemente condenou também seu falso ensinamento que o mundo material não seria meramente transformado, mas seria totalmente aniquilado.
Os homens a quem a vinda do Senhor encontrar vivos na terra, de acordo com a palavra do Apóstolo serão instantaneamente mudados, na mesma maneira que os mortos ressuscitados serão mudados: "...nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados, num momento, num abrir e fechar de olhos, ante a última trombeta, porque a trombeta soará, e os mortos ressuscitarão incorruptíveis e nós seremos transformados. Porque convém que isto que é corruptível se revista de incorruptibilidade, e que isto que é mortal se revista da imortalidade" (1 Cor. 15, 51-53).

j - O julgamento final

Há numerosos testemunhos na Sagrada Escritura sobre a realidade e indisputabilidade do Julgamento universal futuro: Jo. 5, 22, 27-29; Mt. 16, 27; 7, 21-23; 11, 22-29; 12, 36.41-42; 13, 37-43; 19, 28-30; 24, 30; 25, 31-46; Act. 17, 31; Judas 14, 15; 2 Cor. 5, 10; Rom. 2, 5; 7, 14-10, 1 Cor. 4, 5; Ef. 6, 8; Col. 3, 24-2; 2 Tess. 1, 6-10; 2 Tim. 4, 1; Apoc. 20, 11-15. Desses testemunhos a mais completa descrição é dada em Mateus 25, 31-46 ("E quando o Filho do Homem vier em sua glória...") de acordo com essa descrição podemos tirar conclusões a respeito das características do julgamento. Ele será: Universal, isto é, extensivo a todos os homens vivos e mortos, bons e maus, e de acordo com outras indicações dadas na palavra de Deus, até os próprios anjos decaídos (2 Ped. 2, 4; Judas 6); solene e aberto, pois o Juiz aparecerá em toda a sua glória com todos os seus anjos diante da face do mundo todo; estrito e terrível, executando em toda Justiça de Deus - ele será "o dia de ira e da manifestação da justiça de Deus" (Rom. 2, 5) final e definitivo, determinando por toda a eternidade o destino de cada um que for julgado. O resultado do julgamento será a recompensa eterna - bênção para os justos e tormento para os malignos que forem condenados.
Descrevendo da maneira mais brilhante e jubilosa as características da vida eterna dos justos depois do Julgamento Universal, a Palavra de Deus fala da mesma maneira positiva, e certeza a respeito dos tormentos eternos dos homens malignos. "Apartai-vos de mim, malditos para o fogo eterno", o Filho do Homem dirá no dia do Julgamento: "E irão estes para o tormento eterno, mas os justos para a vida eterna" (Mt. 25, 41-46). Esta condição de tormento é apresentada na Sagrada Escritura pintada como um lugar de tormento e é chamada de Gehenna (a imagem da ígnea - com fogo). Gehenna é tomada do vale de Hinnon nos arredores de Jerusalém, onde eram feitas as execuções, e também era jogada todo tipo de coisa suja, e como resultado havia um fogo queimando constantemente como defesa contra infecções). O Senhor disse: "E se tua mão te escandalizar, corta-a: melhor é para ti entrares na vida aleijado do que, tendo duas mãos, ires para o inferno (gehenna) para o fogo que nunca se apaga, onde seu bicho não morre e o fogo nunca se apaga" (Mc. 9, 43-48). "Haverá choro e ranger de dentes", o Salvador repete muitas vezes a respeito de Gehenna (Mt. 8, 12 e outros lugares). No Apocalipse de São João, o Teólogo, esse lugar ou condição é chamado de "lago de fogo" (Apoc. 19, 20). E no Apóstolo Paulo nós lemos: "Como labareda de fogo, tomando vingança dos que não conhecem a Deus e dos que não obedecem ao evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo" (2 Tess. 1, 9). As imagens do "bicho que não morre" e do "fogo que nunca se apaga" são evidentemente simbólicas e indicam a severidade dos tormentos. (Por "simbólica" nossa linguagem contemporânea racionalista, usualmente entende "não real não mais do que uma imagem" - uma definição que daria uma idéia muito confusa da vida na era futura. Com respeito às imagens nas quais futuras bênçãos e futuros tormentos são descritos, deve-se repetir as palavras do anjo a São Macário de Alexandria sobre os "pedágios" (citadas no texto acima): "Aceita as coisas terrenas aqui como a mais fraca descrição das coisas celestes"; certamente tais imagens como "o bicho" e o "fogo" correspondem a realidades que são assustadoramente além de nossa imaginação - e uma realidade que, enquanto não "material" de acordo com nossa experiência em coisas terrenas, é no entanto de alguma forma "corporal", correspondendo ao corpo espiritual ressuscitado que os sentirão! Deve-se ler a assustadora experiência "real" do "bicho que não morre" por um filho espiritual de São Serafim de Sarov («Are There Tortures in Hell?« no «Orthodox Life», 1970, nº5) de modo a se ganhar uma certa indicação da natureza dos futuros na Gehenna). São João Damasceno diz: "Os pecadores serão entregues ao fogo eterno, que não será um fogo material como o que estamos acostumados, mas um fogo que Deus conhece" («Exact Expositiion of the Ortodhodox Faith», Livro 4; 27. tradução inglesa, p 406).
" Eu sei", escreve São João Crisóstomo, "que muitos são aterrorizados só pela gehenna, mas eu acho que a privação daquela glória (do Reino de Deus) é um tormento maior que a gehenna" (homilia 23, sobre São Mateus). "Essa privação das coisas boas", ele reflecte em outro lugar, "causará tal tormento, tal tristeza e opressão, que mesmo que nenhuma punição espere aqueles que pecam aqui, em si mesma (essa privação) pode atormentar e perturbar nossas almas mais poderosamente que o tormento da gehenna, muitas pessoas tolas desejam só serem libertadas da gehena; mas eu considero muito mais atormentador do que a gehenna, a punição de não estar naquela glória. E eu acho que aquele que é privado dessa glória deveria não chorar tanto pelos tormentos na gehenna quanto por ser privado das coisas boas do céu, pois só isso é o mais cruel de todas as punições" (homilia 1, Papa Teodoro). Pode-se ler uma explicação similar em Santo Irineu de Lyon (Agains Heresies, Livro 5, cap. 27).
São Gregório, o Teólogo, ensina: "Reconhece a ressurreição, o julgamento, e a recompensa dos justos pelo julgamento de Deus. E essa recompensa para esses que foram purificados no coração será luz, isto é, Deus visível e conhecido de acordo com o grau de pureza de cada um, que nós chamamos também de Reino do Céu. Mas para aqueles que são cegos na mente, isto é, para aqueles que se tornaram estranhos para Deus, de acordo com o grau de sua presente cegueira, serão trevas" (homilia 40, «On Holy Baptismo»).
A Igreja, baseando-se na Palavra de Deus, reconhece os tormentos na gehenna como sendo eterno e sem fim, e por essa razão condenou no Quinto Concílio Ecuménico o falso ensinamento dos origenistas que diziam que os demónios e pessoas ímpias sofreriam no inferno somente por um certo tempo definido, e então seriam devolvidos a sua condição original de inocência («apokatastasis» em grego). A condenação do Juízo Final é chamada no Apocalipse de São João, o Teólogo, de "segunda morte" (Apoc. 20, 14).
Uma tentativa de entender os tormentos da gehena num sentido relativo, entender a eternidade como algum tipo de era ou período - talvez longo, mas mesmo assim tendo um fim - foi feita na antiguidade, assim como é feita hoje; essa visão em geral nega a realidade desses tormentos. Nessa tentativa são trazidas à tona concepções de um tipo lógico: a desarmonia entre tais tormentos e a bondade de Deus é apontada, assim como a aparente desproporção entre crimes que são temporais e a eternidade das punições por pecado, assim como também a desarmonia entre essas punições eternas e o fim ultimo da criação do homem, que é bênção de Deus.
Mas não cabe a nós definir os limites entre a inexprimível misericórdia de Deus e sua justiça. Nós sabemos que o Senhor: "Quer que todos os homens se salvem, e venham ao conhecimento da verdade" (1 Tim. 2, 4); mas o homem é capaz, através de sua própria vontade maligna, de rejeitar a misericórdia de Deus e os meios de salvação. Crisóstomo, interpretando a descrição do Juízo Final, demarca: "Quando Ele (o Senhor) falou acerca do Reino, depois de dizer: "Vinde, benditos de meu Pai, possui por herança o reino", Ele acrescenta, que está "preparado para nós desde a fundação do mundo" (Mt. 25, 34), mas quando falando sobre o fogo, Ele não fala assim, mas Ele acrescenta: que está "preparado para o diabo e seus anjos" (Mt. 25, 41). Pois eu prepararei para vós o Reino, mas o fogo Eu prepararei não para vós mas para o Diabo e seus anjos. Mas desde que vós vos jogastes no fogo, então acuseis a vós mesmos por isso" (homilia 70 sobre Mateus).
Não temos o direito de entender as palavras do Senhor só condicionalmente, como ameaça ou como um certo meio pedagógico aplicado pelo Salvador. Se nós entendermos nessa maneira nós erramos, já que o Senhor não instila em nós nenhum desses entendimentos e nós nos sujeitamos à ira de Deus de acordo com a Palavra do Salvador: "porque o ímpio provocou Deus? Pois ele disse em seu coração. Ele não inquirirá".
Além disso, o próprio conceito de "raiva" em relação a Deus é condicional e antropomórfico, como aprendemos do ensinamento de Santo António, o Grande (conhecido entre nós como Santo Antão), que diz: "Deus é bom, desapaixonado e imutável. Agora se alguém pensa que é razoável e verdadeiro afirmar que Deus não muda, pode-se perguntar como nesse caso, é possível se falar de Deus rejubilando sobre aqueles são bons e mostrando misericórdia para aqueles que o honram, enquanto afastando-se dos maldosos e ficando raivoso com os pecadores. Para essa pergunta deve ser respondido que Deus não rejubila nem fica com raiva, por rejubilar e ficar ofendido são paixões; nem Ele se comove pelos dons daqueles que o honram, por isso significaria que Ele é movido por prazer... Ele é bom, e Ele só concede bênçãos e nunca provoca dano, permanecendo sempre o mesmo. Nós homens, de outro lado, se permanecemos bons assemelhando-nos a Deus, somos unidos a Ele; mas se nós nos tornarmos malignos não assemelhando-nos a Deus; mas tornando-nos malignos nós fazemos Dele nosso inimigo. Não é que Ele fica raivoso connosco de maneira arbitrária, mas são os nossos pecados que impedem que Deus brilhe dentro de nós, e nos expõe aos demónios que nos punem. E se por orações e actos de compaixão nós recebemos alívio de nossos pecados, isso não significa que nós tenhamos ganho de Deus e façamo-lo mudar, mas sim que através dos nossos actos e nosso virar-se para Deus nós curamos nossa malignidade e assim mais uma vez nós nos regozijamos com a bondade de Deus. Assim dizer que Deus afasta dos malignos é como dizer que o sol se esconde dos cegos" (Philokalia, vol 1, texto 150; tradução inglesa por Palmer – Sherrara - Ware, p. 352).
Digno de atenção também é o comentário simples a esse respeito do Bispo Teofano, o Recluso: "Os justos irão para a vida eterna, mas os pecadores satanizados para os tormentos eternos, em comunhão com os demónios. Esses tormentos terminarão? Se o satanismo é tornar-se como Satanás terminou, então esses tormentos também poderiam acabar. Mas até então nós devemos acreditar que assim como a vida eterna não terá fim, assim também os tormentos eternos que ameaçam os pecadores não terão fim. Nenhuma conjectura pode mostrar a possibilidade do fim do satanismo. O que Satanás viu depois da sua queda! Quanto poder de Deus foi revelado! Como ele mesmo foi batido pelo poder da Cruz do Senhor! Como até agora toda a sua astúcia e malícia são derrotadas por esse poder! Mas ele ainda é incorrigível, ele constantemente se opõe; e quanto mais longe ele vai, mais teimoso ele se torna. Não há esperança nenhuma dele ser corrigido! E se não há esperança para ele, não há esperança também para os homens que tornam-se satanizados por sua influência. Isso significa que deve haver inferno com tormentos eternos".
Os escritos dos santos ascetas cristãos indica que quanto mais alta a consciência moral, mais agudo torna-se o sentimento de responsabilidade moral, o medo de ofender Deus, e consciência da inevitável punição por se desviar dos mandamentos de Deus. Mas exactamente o mesmo grau é o que aumenta a esperança na misericórdia de Deus. A esperança nela e o pedir por ela ao Senhor é para cada um de nós uma obrigação e uma consolação.

l - O Reino da Glória

Com o final dessa era e a transformação do mundo, num mundo novo e melhor é então revelado o eterno Reino de Deus, o Reino da Glória.
Então chegará ao fim o Reino de Graça, a existência da Igreja na terra, a Igreja militante; ela entrará nesse Reino de glória e fundir-se-á com a Igreja celeste: "Depois virá o fim, quando tiver entregado o reino a Deus, ao Pai, e quando houver aniquilado todo o império, e toda a potestade e força. Porque convém que reine até que haja posto a todos os inimigos debaixo de Seus pés. Ora, o último inimigo a ser aniquilado é a morte... E, quando todas lhe estiverem sujeitas, então também o mesmo Filho se sujeitará Àquele que todas as coisas lhe sujeitou para que Deus seja tudo em todos" (1 Cor. 15, 24-26.28). Essas palavras a respeito do fim do reino de Cristo devem ser entendidas como o preenchimento da missão do Filho, que ele aceitou do Pai, e que consiste na condução dos homens a Deus através da Igreja. Então o Filho reinará no Reino de glória junto com o Pai e o Espírito Santo, e "o seu Reino não terá fim", como o Arcanjo anunciou para a Virgem Maria (Lc. 1, 33), e como lemos no Símbolo da Fé. São Cirilo de Jerusalém diz disso: "Pois foi ele que reinou antes de derrotar os seus inimigos, não reinará mais ainda depois que os tiver conquistado?" (Catechetical Lectures).
A morte não terá poder no Reino da Glória: "Ora, o último inimigo que há de ser aniquilado é a morte... então cumprir-se-á a palavra que está escrita: Tragada foi a morte na vitória" (1 Cor. 16, 54). "Não haverá mais demora" (Apoc. 10, 6).
A eterna vida abençoada é apresentada vividamente no capítulo 24 do Apocalipse: "E vi um novo céu, e uma nova terra. Porque já o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe" (Apoc. 21, 1). No reino futuro tudo será espiritualizado, imortal e santo.
Mas a coisa mais importante é que aqueles que atingem a futura vida abençoada e tornam-se "participantes na natureza divina" (2 Ped. 1, 4), serão participantes na mais perfeita vida, cuja fonte é só Deus. Em particular, aos futuros membros do Reino de Deus será concedido, como o é aos anjos, "ver Deus" (Mt. 5, 9), contemplar a sua glória não através de um vidro turvo, não por meio de conjecturas, mas face a face. E eles não só contemplarão essa glória, mas eles próprios serão participantes dela, brilhando como o sol, no Reino do Pai deles (Mt. 13, 43), sendo "co-herdeiros" de Cristo, sentando com Cristo num trono e partilhando com ele a real grandeza (Apoc. 3, 21; Rom. 8, 17; 2 Tim. 2, 11-12).
Como é simbolicamente descrito no Apocalipse, "nunca mais terão fome, nunca mais terão sede; nem calor algum cairá sobre eles. Porque o Cordeiro que está no meio do trono os apascentará e lhes servirá de guia para as fontes das águas da vida; e Deus limpará de seus olhos toda a lágrima" (Apoc. 7, 16-17). Como o profeta Isaías diz: " ...nem com ouvidos se percebeu, nem com os olhos se viu um Deus além de Ti, que trabalhe para aquele que Nele espera" (Isaías 64, 4; 1 Cor. 2, 9).
Bênção em Deus será o mais desejável já que ela será eterna, sem fim: "os justos irão para a vida eterna" (Mt. 25, 46).
No entanto, essa glória em Deus, no pensamento dos Santos Padres da Igreja, terá seus grupos correspondentes a dignidade moral de cada um. Deve-se concluir isso das palavras da Sagrada Escritura: "na casa de Meu Pai há muitas moradas" (Jo. 14, 2); "e então dará a cada um segundo as suas obras" (Mt. 16, 27); "cada um receberá o seu galardão segundo o seu trabalho" (1 Cor. 3, 8); "uma estrela difere em glória de outra estrela" (1 Cor. 15, 41).
Santo Efrém, o Sírio, diz: "Assim como todo mundo se regozija com os raios do sol de acordo com a dureza de seu poder de ver e das impressões que são dadas, e assim como em uma única lâmpada que ilumina a casa cada raio tem seu lugar, enquanto a luz não é dividida em muitas lâmpadas, também assim no tempo futuro todos os justos morarão inseparavelmente em um único jubilo, mas cada um em seu grau próprio será iluminado pelo único sol mental, e até o grau de seu valor ele estará em júbilo e regozijo como se em uma única atmosfera e lugar, e ninguém verá os graus que são mais altos ou mais baixos, porque olhando para a graça superior de outro e para sua própria privação, ele terá por ai alguma causa interior para tristeza e perturbação. Que isso não seja lá, onde não há tristeza nem gemido; mas enquanto externamente todos terão uma única contemplação e uma única alegria" (Santo Efrém, o Sírio, «Oh the Heavenly Mansions»).
Concluamos essa exposição das verdades da Fé Cristã Ortodoxa com as palavras do Metropolitano Macário de Moscovo no final de seu longo curso de teologia dogmática: "Concede-nos, ó Senhor, a todos nós sempre, a viva e não moribunda memória da tua gloriosa futura Vinda, do teu terrível Juízo Final, sobre nós, a tua justíssima e eterna doacção de recompensa para os justos e os pecadores - que na luz de tua Vinda e com o auxílio de tua graça: "vivamos neste século sóbria, e justa e piamente" (Tito 2, 12), e assim possamos atingir finalmente a eterna vida abençoada no céu, e que com todo nosso ser nós possamos glorificar-te, junto com o teu Pai não-originado, e com o teu Santíssimo, bom e vivificante espírito, pelos séculos dos séculos" («Orthodox Dogmatic Theology», vol 2, p. 674).

 

Arcebispo Primaz Katholikos

S.B. Dom ++ Paulo Jorge de Laureano – Vieira y Saragoça
(Mar Alexander I da Hispânea)


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Última actualização deste Link em 01 de Outubro de 2011