Catecismo Ortodoxo

Parte I

Deus em Si Próprio

O dogma da fé. Crença ou fé como atributo da alma. O poder da fé. A fonte da fé. A natureza de nosso conhecimento de Deus. A essência de Deus. Os atributos de Deus. Sagrada Escritura concernente aos atributos de Deus. Deus é Espírito. Eterno. Todo Bondade. Omnisciente. Todo Justo. Poderoso (Omnipotente). Omnipresente. Imutável. Auto-Suficiente e Todo Bendito. A unidade de Deus.

1. Nosso conhecimento de Deus
a - O dogma da fé

A primeira palavra do Símbolo da Fé Cristã é "creio". Toda a nossa confissão Cristã é baseada na fé. Deus é o primeiro objecto da crença Cristã. Assim, o nosso reconhecimento Cristão da existência de Deus é fundada não em bases racionais, nem em provas tomadas na razão ou recebido de experiências de nossos sentidos exteriores, mas numa interna e alta convicção que tem uma fundação moral.
No entendimento Cristão, acreditar em Deus significa não só aceitar Deus com a mente, mas também empenhar-se na direcção dele com o coração.

Nós cremos naquilo que é inacessível à experiência exterior, à investigação científica, e não pode ser recebido pelos órgãos de sentido. São Gregório, o Teólogo distingue entre crença religiosa — "eu creio em alguém, em alguma coisa" — é uma simples crença pessoal — "Eu acredito em alguém, em alguma coisa". Ele escreve: "Não é a mesma coisa crer e acreditar". Nós cremos na Divindade, mas simplesmente acreditamos em qualquer coisa ordinária ("On the Holy Spirit", parte III, pg. 88 na edição russa de suas «Complete Works»; p. 319 no texto inglês do Eerdmans).

b - Crença ou fé como um atributo da alma

A fé Cristã é uma revelação mística da alma humana. Ela é maior, mais poderosa, mais próxima da realidade que o pensamento. É mais complexa que sentidos separados. Ela contém em si mesma os sentimentos de amor, medo, veneração, reverência e humildade. Também não pode ser chamada de manifestação da vontade, pois apesar de mover montanhas, o Cristão renuncia à sua própria vontade quando ele crê, e dá-se inteiramente à vontade de Deus: "Seja feita a Sua vontade em mim, um pecador". O caminho da fé está no coração; é inseparável do amor puro, sacrificial, "operando por caridade" (Gal. 5, 6).

Logicamente, o Cristianismo é ligado também ao conhecimento da mente, e dá uma visão do mundo, mas se permanecer só uma visão do mundo, o seu poder de mover desvanece-se. Sem fé não existiria o vínculo vivo entre o céu e a terra. A crença Cristã é algo muito maior que as "hipóteses persuasivas" que é o tipo de crença usualmente encontrado na vida.

c - O poder da fé

A Igreja de Cristo é fundada sobre a fé como sobre uma rocha que não treme sob ela. Por fé os santos conquistaram reinos, realizaram obras justas, fecharam a boca de leões, extinguiram o poder do fogo, escaparam do fio da espada, foram reforçados na enfermidade (Heb. 11, 38). Sendo inspirados pela fé, muitos Cristãos foram torturados e morreram em júbilo, como mártires. A fé é uma rocha, mas uma rocha que é impalpável, livre de peso, que nos dirige para cima e não para baixo.

"Quem crê em mim, como diz a Escritura, rios de água viva correrão do seu ventre", disse o Senhor (Jo. 7, 38); e a pregação dos Apóstolos, uma pregação no poder da palavra, no poder do Espírito, no poder dos sinais e milagres, foi um testemunho da verdade nas palavras do Senhor. Esse é o mistério da fé Cristã viva.

d - A fonte da fé

"...Se tiverdes fé e não duvidardes... se a este monte disserdes: Ergue-te e precipita-o no mar, assim será feito" (Mt. 21, 21). A história da Igreja de Cristo é cheia de milagres dos santos em todas as épocas. No entanto, milagres não são realizados por fé em geral, mas pela fé Cristã. Fé é uma realidade não pelo poder da imaginação e não por auto-hipnose, mas pelo facto de que ela nos liga com a fonte de toda vida e poder — com Deus. Na expressão do hieromártir São Irineu, Bispo de Lion, a fé é um vaso que pode ser preenchido com água; mas é necessário que esteja perto a água e que se ponha o vaso nela: esta água é a graça de Deus. "Fé é a chave para a casa de tesouros de Deus", escreve São João de Kronstadt (My Life in Christ, Vol. I, p. 242, edição russa).
A fé é reforçada e a sua verdade é confirmada pelos benefícios dos seus frutos espirituais que são conhecidos pela experiência. Por isso o Apóstolo instrui-nos, dizendo: "Examinai-vos a vós mesmos, se permaneceis na fé, provai-vos a vós mesmo. Ou não sabeis quanto a vós mesmos, que Jesus Cristo está em vós? Se não é que já estais reprovados" (2 Cor. 13, 5).

Ainda assim é difícil dar uma definição do que é a fé. Quando a Escritura diz "Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, é a prova das coisas que se não vêem" (Heb. 11, 1), sem tocar aqui na natureza da fé, ela indica somente no que o olhar da fé está dirigido para o que é esperado, para o invisível; e assim ele indica precisamente que a fé é a penetração da alma no futuro ("a substância das coisas esperadas") ou no invisível ("a evidencia das coisas não vistas”). Isso testemunha o carácter místico da fé Cristã.

e - A natureza de nosso conhecimento de Deus

Deus em Sua essência é incompreensível. Deus habita "... na luz inacessível; a quem nenhum dos homens viu nem pode ver;..." instrui o Apóstolo Paulo (1 Tim. 6, 16).
Em suas leituras catequéticas São Cirilo de Jerusalém instrui-nos: "Nós não explicamos o que Deus é, mas candidamente confessamos que nós não temos um conhecimento exacto a respeito dele. Pois com respeito a Deus, confessar a nossa ignorância é o melhor conhecimento" (6ª Catechetical Lecture, Eedrmans p. 33).
Eis aí porque não existe valor dogmático a ser encontrado nos vários tipos da vasta e abrangente lista de concepções e buscas racionais sobre o assunto da vida interior de Deus, e da mesma forma nos conceitos fabricados por analogia com a vida da alma humana. A respeito dos "companheiros — inquiridores" de seu tempo, São Gregório de Nissa, o irmão de São Basílio, o Grande escreve: "Homens, tendo deixado de "... deleitar-se no Senhor..." (Sal. 37, 4) e de rejubilar-se na paz da Igreja, entram em refinadas buscas a respeito de alguns tipos de essências e medem magnitudes, medindo o Filho em comparação com o Pai, concedendo uma maior medida ao Pai. Quem dirá a eles, que aquilo que não é sujeito a números não pode ser medido; o que é invisível não pode ser avaliado; que o que é sem carne não pode ser comparado não pode ser entendido como maior ou menor, porque nós sabemos que alguma coisa é "maior", comparando-o com outras coisas, mas com alguma coisa que não tem fim, a ideia de "maior" é impensável. "Grande é o Nosso Senhor, e de grande poder; o Seu entendimento é infinito" (Sal. 147, 5). O que isso significa? Numere como foi dito e compreenderás o mistério.
O mesmo Hierarca escreve adiante: "Se alguém está fazendo uma viagem no meio do dia, quando o sol com seus raios quentes queima a cabeça, e por seu valor seca toda coisa líquida do corpo, e sob seus pés está a terra dura que torna difícil o caminhar e é ressecada; e então tal viajante encontra uma fonte com jactos saindo esplêndidos, transparentes, agradáveis e refrescantes e mais ainda abundantes, ele sentar-se-á na água e começara a raciocinar sobre sua natureza, procurando de onde ela vem, como, do que, e todas as outras coisas como tais, que oradores preguiçosos estão acostumados a julgar; por exemplo: é uma certa mistura que existe nas profundezas da terra que vem à superfície sob certa pressão e torna-se água, ou são canais indo através de longos lugares desérticos e que descarregam água assim que ela acha uma abertura para si? O viajante ao invés não dirá adeus a todas deliberações racionais, inclinará sua cabeça para o jacto e pressionará seus lábios contra ele, aplacará sua sede, refrescará sua língua, satisfará seu desejo, e dará agradecimentos àquele que deu esta água? Assim, imitai vós também esse sedento" (São Gregório de Nissa, "Homily ih His Ordination," de suas obras em russo, vol IV).
No entanto, até certo ponto nós temos conhecimento de Deus, conhecimento até ao ponto do que ele mesmo se revelou para os homens. Deve-se distinguir entre a compreensão de Deus, o que em essência é impossível, e o conhecimento dele, ainda que incompleto, como diz o Apóstolo Paulo: "Porque agora vemos por espelho em enigma... e agora conheço em parte" (1 Cor. 13, 12). O grau desse conhecimento depende da habilidade do próprio homem em conhecer (Essa distinção entre aquilo que se pode chamar de "absoluta" incognoscibilidade de Deus e a "relativa" cognoscibilidade Dele é apresentada por São João Damasceno no Livro I, capítulo I da «Exatc Exposition oh the Orthodox Faith»).
De onde derivamos nós o conhecimento de Deus?
a - É revelado ao homem do conhecimento da natureza, do conhecimento de si próprio, é do conhecimento de toda criação de Deus em geral. "Porque as Suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder, como a Sua divindade, entendem-se e claramente se vêem pelas coisas que estão criadas..." (Rom. 1, 20); isso é, o que é invisível nele, Seu eterno poder e Sua divindade, é tornado visível pela criação do mundo através da observação das coisas criadas. Por isso, estão sem desculpa aqueles homens que tendo conhecido Deus, não o glorificam como Deus e não dão graças, mas se desvanecem em seus discursos (Rom. 1, 21). "O mundo é o reino do pensamento divino" (São João de Kronstadt).
b - Deus manifestou-se ainda mais em revelações sobrenaturais e através da encarnação do Filho de Deus, o Deus "havendo falado antigamente muitas vezes e de muitas maneiras, aos nossos pais, pelos profetas, a nós falou-nos nestes últimos dias pelo Filho" (Heb. 1, 1). "Deus nunca foi visto por alguém. O Filho unigénito, que esta no seio do Pai, Este o fez conhecer" (Jo. 1, 18).
Assim, o próprio Salvador ensina a respeito do conhecimento de Deus. Tendo dito "Todas as coisas Me foram entregues por meu Pai: e ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar" (Mt. 11, 27). O Apóstolo João escreve na sua Epístola: "E sabemos que já o Filho de Deus é vindo, e deu-nos entendimento... para que conheçamos o Deus verdadeiro..." (1 Jo. 5, 20).
A Revelação Divina é-nos dada em toda Sagrada Escritura e na Sagrada Tradição. E a preservação, instrução e interpretação verdadeira dessa revelação divina é obrigação e preocupação da Santa Igreja de Cristo.
Mas mesmo dentro dos limites que nos são dados à luz da Divina Revelação, devemos guiar-nos naqueles que purificam as suas mentes por uma vida Cristã elevada e fizeram as suas mentes capazes de contemplar verdades exaltadas, isto é a respeito disso, São Gregório, O Teólogo, instruiu-nos: "Se desejas ser um teólogo e digno do divino, mantém as leis; por meio das leis divinas vai para um objectivo elevado; pois a actividade é a ascensão para a visão" ("actividade" aqui é um termo técnico frequentemente encontrado nos textos ascéticos Ortodoxos; ele refere-se aos meios (mantendo os Mandamentos, disciplina ascética, etc...) que conduz alguém ao fim da vida espiritual ("visão" ou “contemplação" de Deus).
É isso, empenha-se e atinge a perfeição moral, pois só esse caminho dá a possibilidade de ascender às alturas de onde as verdades divinas são contempladas (homilia de São Gregório, o Teólogo).
O próprio Salvador proferiu: "Bem aventurados os puros de coração, porque eles verão a Deus" (Mt. 5, 8).
A impotência da nossa mente para compreender Deus é expressa na Igreja, nos Ofícios Divinos: "Por não termos palavras para expressar o significado de Tua incompreensível Tri-radiante divindade, com os nossos corações nós Te glorificamos, ó Senhor" (do cánon do Ofício de Meia-noite do Domingo, tom 7, cánon 4).
Na antiguidade certos heréticos introduziram a ideia de que Deus é totalmente incompreensível, inacessível ao entendimento. Eles construíram as suas afirmações sobre a ideia de que Deus é uma Essência simples, que não tem conteúdo interior ou qualidades. Por isso foi suficiente, dar Nomes a Deus — por exemplo Theos (Deus — "Aquele que vê"), ou Jeová ("aquele que é"), ou indicar a sua característica singular, a sua "não-origem", de maneira a dizer tudo o que pode ser dito a respeito de Deus (alguns dos gnósticos raciocinavam dessa maneira, por exemplo, Valentino no século segundo, e os Anomoenses no século quarto, pensaram nessa maneira). Os Santos Padres responderam a essa heresia com um protesto fervoroso, vendo nisso uma destruição da essência da religião. Respondendo aos heréticos, eles esclareceram e provaram, tanto pelas Escrituras quanto pela razão:
1 - que a simplicidade da essência de Deus é unida com a completude de Seus atributos, a completude do conteúdo da vida divina,
2 - e que os próprios Nomes de Deus na Divina Escritura — Jeová, Eloim, Adonai e outros — expressam não a verdadeira essência de Deus, mas primeiramente mostram as relações de Deus com o mundo e com o homem.
Outros heréticos na antiguüidade, por exemplo os Marcionitas, afirmaram que Deus é completamente desconhecido e inacessível à nossa compreensão. Por essa razão, os Padres da Igreja mostraram que existem graus do nosso conhecimento de Deus, o que é possível, útil e necessário para nós. São Cirilo de Jerusalém, em suas Leituras Catequéticas, ensina: "Se alguém diz que a essência de Deus é incompreensível, então porque falamos a respeito dele? No entanto, é verdade que, por que eu não posso tomar o rio inteiro eu não tomarei água dele com moderação para meu benefício? É verdade que, porque meus olhos não podem enxergar tudo o que o sol ilumina, eu sou incapaz de contemplar aquilo que é possível e necessário para mim? E se vou a um grande pomar, e não consigo comer todas as frutas dali, queres que eu vá embora do pomar completamente faminto?" (Catechetical Lectures, VI, 5).

É bem conhecido como o abençoado Agostinho, quando andava numa praia pensando acerca de Deus e do mistério da Santíssima Trindade, viu um menino sentado na beira da água, tirando água do mar com uma concha e colocando-a num buraco na areia. Essa cena inspirou-o a pensar na desproporção entre nossa mente rasa e a grandeza de Deus. É tão impossível ter-se uma concepção de Deus em toda Sua grandeza, quanto esvaziar-se o mar com uma concha.

f - A essência de Deus

"Se tu desejas falar ou ouvir a respeito de Deus", teologia São Basílio, o Grande, "renuncia ao teu próprio corpo, renuncia aos teus sentidos corporais, abandona a terra, faz com que o ar esteja abaixo de ti; passa sobre as estações do ano, sem arranho ordenado os adornos da terra, coloca-te acima do éter, atravessa as estrelas, o seu esplendor e grandeza, e os benefícios que delas provêm para o mundo todo, a sua boa ordem, brilho, arranjo, movimento e o vínculo ou distância entre elas. Tendo passado através de tudo isto em tua mente, vai para o céu e prostrando-se acima dele, só com o teu pensamento, observa as belezas que lá estão, os chefes arcanjos, a glória dos Domínios, a presidência dos Tronos, os Poderes, Principados, Autoridades. Tendo passado por tudo isso e deixado para trás toda criação em teus pensamentos, elevando a tua mente acima dos limites dela, apresenta á tua mente a essência de Deus, imóvel, imutável, inalterável, desapaixonada, simples, complexa, indivisível, luz inaproximável, poder inexplicável, magnitude infinita, glória resplandecente, infindável bondade, beleza incomensurável que golpeia poderosamente a alma ferida, mas que não pode ser validamente descrita em palavras".
Tal exaltação de espírito é demandada de alguém que quer falar com Deus! No entanto, ainda que nessa condição os pensamentos humanos são capazes somente de permanecer nos atributos da divindade e não na verdadeira essência da divindade.
Há na Sagrada Escritura palavras concernentes a Deus que "tocam" ou "chegam perto" da ideia de Deus em Sua verdadeira essência. São expressões que são compostas de tal modo que, na sua forma, elas respondem não só a questão "que tipo" — isto é, quais são os atributos de Deus mas elas parecem também responder a questão "quem" — isto é, "quem é Deus?"
Tais expressões são:
"Eu sou Aquele que é" (em hebreu, Jeová; Ex. 3, 14)
"Eu sou o Alfa e o Ómega, o principio e o fim, diz o Senhor, que é, e que era, e que há de vir, o Todo-Poderoso" (Apc. 1, 8)
"Mas o Senhor Deus é a Verdade" (Jer. 10, 10)
"Deus é espírito" — As palavras do Senhor para a mulher samaritana (Jo. 4, 23)
"Ora o Senhor é Espírito" (2 Cor. 3, 17)
"Deus é luz, e não há Nele trevas nenhumas" (1 Jo. 1, 5)
"Deus é amor" (1 Jo. 4, 8.16)
"Nosso Deus é um fogo consumidor" (Heb. 12, 29)
No entanto, tais expressões também não podem ser entendidas como indicações da verdadeira essência do Deus único e com relação ao nome "aquele que é" os Padres da Igreja disseram que ele "de alguma forma" (a expressão é de São Gregório, o Teólogo) ou, "como parece" (São João Damasceno) é um nome da essência. Apesar de mais raramente, esse mesmo significado foi dado aos nomes "bem" e "Deus", na língua grega — «Theos», significando "ele que vê". Distinto que todas as coisas "existentes" e criadas, os Padres da Igreja aplicaram para a existência de Deus o termo "Ele que é acima de todos os seres", como no «kontakion», "a virgem agora dá a luz a Ele que é acima de todos os seres". A expressão do Velho Testamento "Jeová", "aquele que é", que foi revelada por Deus ao Profeta Moisés, tem justamente um significado profundo. (Isso quer dizer: quando dizemos que Deus é "aquele que é", nós dizemos que Ele "é" num sentido superlativo e não da maneira que toda sua criação "é"; isto é o mesmo que afirmar que Ele é o único "que está acima de todos os seres" (Kondakion da Natividade de Cristo)).

Assim, pode falar-se somente nos atributos de Deus, mas não da verdadeira essência de Deus. Os Padres expressam-se só indirectamente a respeito da natureza da divindade, dizendo que a essência de Deus é "uma, simples, não complexa". No entanto, essa simplicidade não é algo sem distinguir características ou conteúdo; ela contém em si própria a totalidade das qualidades da existência; "Deus é um mar de ser, incomensurável e ilimitado" (São Gregório, o Teólogo); "Deus é a completude de todas as qualidades e perfeições em sua mais alta e infinita forma" (São Basílio, o Grande); "Deus é simples e não complexo; Ele é inteiramente sentimento, inteiramente espírito, inteiramente pensamento, inteiramente mente, inteiramente fonte de todas as coisas boas" (Santo Irineu de Lyon).

g - Os atributos de Deus

Falando dos atributos de Deus, os Santos Padres indicam que a sua multiplicidade considerando a simplicidade da essência, é o resultado de nossa própria inabilidade de encontrar um místico e único modo de ver a divindade. Em Deus, um atributo é um aspecto de outro. Deus é justo; isso implica que Ele é também bendito, é bom e é Espírito. A múltipla simplicidade em Deus é como a luz do sol, que se revela em várias cores que são recebidas pelos corpos na terra, por exemplo as plantas.
Na enumeração dos atributos de Deus nos Santos Padres e nos textos dos Divinos Ofícios, há uma preponderância de expressões que estão gramaticalmente na forma negativa. No entanto deve observar-se que, esta forma negativa indica uma "negação de limites". Assim, a forma negativa é na verdade uma afirmação de atributos que são sem limite. Por exemplo: não criado, indica a inexistência do limite na criação. Encontramos um modelo de tais expressões na «Exact Exposition of the Ortodox Faith» por São João Damasceno: "Deus é não originado, interminável, eterno, constante, não criado, imutável, inalterável, simples, não complicado, incorpóreo, invisível, intangível, indescritível, ilimitado, inacessível à mente, incontestável, incompreensível, bom, justo, o Criador de todas as criaturas, o Poderoso Pantocrator, o que olha todos de cima, cuja Providência está sobre todas as coisas, que tem domínio sobre tudo, o juiz".
Os nossos pensamentos acerca de Deus em geral falam:
1 - acerca da Sua distinção do mundo criado (por exemplo, Deus não tem origem, enquanto que o mundo tem uma origem; Ele é sem fim, enquanto o mundo tem um fim; Ele é eterno, enquanto o mundo existe no tempo;
2 - acerca das actividades de Deus no mundo e a relação do Criador para com as suas criações (Criador, Providência, Misericordioso, Juiz Justo).
Indicando os atributos de Deus, nem por isso damos uma "definição do conceito de Deus", tal definição é essencialmente impossível, porque toda definição é uma indicação de "finitude" (Em russo, o Padre Michael está indicando aqui a derivação da palavra «opredeleniye» ("definição") de «predel» ("limite")). No entanto, em Deus não há limites, e portanto não pode haver uma definição do conceito da divindade: "Pois um conceito é em si uma forma de limitação" (São Gregório, o Teólogo, homilia 28, de sua Segunda Oração Teológica).
A nossa razão demanda o reconhecimento em Deus de uma série completa de atributos essenciais. A razão diz-nos que Deus tem uma existência racional, livre e pessoal. Se no mundo imperfeito nós vemos seres racionais, livres e pessoais, não podemos deixar de reconhecer uma existência livre, racional e pessoal no próprio Deus, que é a Fonte, Causa e Criador de toda a vida.
A razão diz-nos que Deus é o Ser mais perfeito. Toda falta e imperfeição são incompatíveis com o conceito de "Deus". A razão diz-nos que Deus é um Ser auto-suficiente, porque nada pode ser a causa ou condição da existência de Deus.

h - Sagrada Escritura concernente aos atributos de Deus

Os atributos de Deus, tomados directamente do Verbo de Deus, são apresentados no Longo Cristão «Catechism of the Orthodox Church» do Metropolita Philaret (Tradução inglesa (reimpressa de 1901) no «The Catechism of the Orthodox Church, Eastern Orthodox Books», Willits, Califórnia, 1971, p. 19). Ali lê-se: "Pergunta: Que ideia da essência e dos atributos essenciais de Deus devem ser derivadas da revelação Divina? Resposta: Que Deus é Espírito, eterno, boníssimo, omnisciente, justo, poderoso, omnipresente, imutável, auto-suficiente". Paremos para pensar acerca desses atributos apresentados no catecismo.

i - Deus é Espírito

"Deus é Espírito" (Jo. 4, 24; as palavras do Salvador na conversa com a mulher Samaritana). "O Senhor é Espírito, e onde está o Espírito do Senhor, ai há liberdade" (2 Cor. 3, 17). Deus é alheio a todo tipo de natureza corpórea ou materialidade. Ao mesmo tempo em que a espiritualidade que pertence aos seres espirituais criados e á alma do homem, que manifesta em si somente uma "imagem" da natureza espiritual de Deus. Deus é um Espírito que é o mais elevado, mais puro, mais perfeito. É verdade que na Sagrada Escritura nós encontramos muito, vários lugares onde alguma coisa corpórea é simbolicamente atribuída a Deus, no entanto, concernente à natureza espiritual de Deus, a Escritura começa por falar com as primeiras palavras do livro do Génesis, e ao Profeta Moisés, Deus revela-se como Aquele que é, como a pura, espiritual e mais elevada existência. Assim, por símbolos corpóreos a Escritura ensina-nos a compreender os atributos espirituais e as acções de Deus.
Tomemos aqui as palavras de São Gregório, o Teólogo. Ele diz: "De acordo com as Escrituras Deus dorme, Ele desperta, torna-se irritado, Ele activa, Ele tem os Querubins como seu trono mas quando Ele teve uma enfermidade? Além disso, alguma vez ouviste que Deus é um corpo? Alguma coisa é apresentada aqui, que não existe na realidade de acordo com o nosso próprio entendimento, nós demos nomes para as características de Deus, que são derivadas de nós próprios. Quando Deus, por razões que só Ele conhece, abandona os seus cuidados, como estava tendo, e não se preocupa mais connosco, isso significa que Ele está "dormindo" — porque o nosso dormir é uma falta similar de actividade e cuidado. Quando, ao contrário, Ele subitamente começa a fazer o bem, isso significa que Ele "acordou". Ele castiga e por isso, nós imaginamos que Ele está "raivoso" pois o castigo entre nós é com raiva. Ele age às vezes aqui, ás vezes Ele repousa e como se Ele morasse em santos poderes nós chamamos a isso de "sentar-se" e Ele "senta-se num trono", que é uma coisa característica nossa. Também, pois a divindade não repousa em lugar algum, nem entre os santos. A um movimento veloz, nós chamamos "Voo". Se há uma contemplação, nós falamos numa "face"; se há um dar e receber, nós falamos de uma "mão". De outra forma, e uma maneira tomada das coisas corpóreas" (homilia 31, Fifht Teological Oration "On the Holy Spirit," ch 22; Eerdmann’s Nicene Fathers, Series Two, vol VII, pg. 324-325).
Ligado com os relatos das acções de Deus, no segundo e terceiro capítulos do Livro da Génesis, São João Crisóstomo instrui-nos: "Não passemos sem atenção, amados, pelo que é dito pela Divina Escritura, e não olhemos só para as palavras, mas pensemos que simples palavras são usadas por conta de nossa enfermidade, e que tudo é feito do jeito mais adequado para a nossa salvação. Depois de tudo, diga-me, se quisermos aceitar as palavras num sentido literal e não entendermos o que é comunicado de modo adequado a Deus, tudo isso então não se tornaria muito estranho? Olhemos no começo da leitura presente. Ela diz: "E ouviram a voz do Senhor Deus, que passeava no jardim pela viração do dia:... e estavam com medo" (Gén. 3, 8). O que tu dizes: Deus anda? Tu atribuis pés a Ele? Não deveríamos entender isso num sentido mais elevado? Não, Deus não anda — nem penses nisso! Como, de facto, poderia Ele que está em tudo e enche tudo, cujo trono é o céu e a terra o escabelo de seus pés — como poderia Ele andar no Paraíso? Que pessoa racional diria isso! No entanto o que significa: "Eles ouviram a voz de Deus andando no Paraíso na viração do dia?" "Ele quis criar neles um tal sentimento (de proximidade de Deus) que deveria fazer com que eles ficassem preocupados com o que de facto havia acontecido. Eles sentiram isso e tentaram esconder-se de Deus que se estava aproximando deles. O pecado havia ocorrido, e a transgressão e vergonha caíram sobre eles. O juiz não hipócrita que é a nossa consciência, tendo sido acordada, clamou com alta voz, recriminando-os, e exibindo diante de seus olhos o peso da transgressão. O Mestre criou o homem no começo e nele colocou um acusador que nunca se cala e que não pode ser seduzido ou enganado".
A respeito da imagem da criação da mulher, São João Crisóstomo ensina, "É dito, ‘e tomou uma de suas costela’” (Gén. 2, 21). Não entendam essas palavras de maneira humana, mas entendam que a crua expressão usada é adaptada à fraqueza humana. Pois, se a Escritura não tivesse usado essas palavras, como poderíamos entender tais mistérios inexprimíveis? Não olhemos só para as palavras mas recebamos tudo de maneira ajustada, no que se refira a Deus. Essa expressão "tomou" e todas as expressões similares são usadas em função de nossa fraqueza". De maneira similar São João Crisóstomo expressa-se com respeito ás palavras: "E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou em seus narizes" (Gén. 2, 7; Works of St. John Chrisostom, Vol IV, parte um). (Não se deve pensar que o Padre Michael está afirmando aqui, que São João Crisóstomo era em geral opositor a "interpretações literais" da Escritura; quando o sentido literal era necessário, São João Crisóstomo era bastante literal na sua interpretação. O seu ponto de vista e o do Padre Michael era que toda interpretação da Escritura deve ser "ajustada a Deus" e isto ás vezes requer uma interpretação literal, às vezes uma interpretação metafórica. No mesmo Comentário do livro da Génesis, por exemplo, São João Crisóstomo, escreve: "Quando vós ouvis que "Deus colocou o Paraíso do Éden no leste, acrediteis precisamente que o próprio Paraíso foi criado no exacto lugar que a Escritura assegurou que foi" (Homilies on Génesis, XIII, 3). Ele também, proibiu uma interpretação alegórica de "rios" e "águas" do Paraíso, insistindo que "os rios são rios na realidade e as águas são precisamente águas" (XIII, 4). Assim, quando São João Crisóstomo afirma que a palavra "tomou" na Génesis deve ser entendida numa maneira ajustada a Deus (isto é, não deve ser entendida literalmente, porque Deus não tem "mãos"). Ele não nega que Eva foi realmente criada de uma das costelas de Adão, ainda que precisamente como isso foi jeito, permaneça um mistério para nós (Homilies on Génesis, XV, 2-3).)
São João Damasceno devota um capítulo a esse tema na sua «Exact Exposition of the Orthodox Faith». Esse capítulo é chamado "Sobre as coisas que se afirma de Deus como se Ele tivesse um corpo", e ali ele escreve: "Como encontramos na Divina Escritura muitas coisas que são ditas de Deus como se Ele tivesse um corpo, nós devemos saber que é impossível para nós que somos homens que estamos vestidos com essa crua carne, pensar ou falar sobre as imponentes e imateriais acções de divindade, a não ser que usemos similaridade, imagens e símbolos que correspondam a nossa natureza." Além disso, as expressões a respeito dos olhos, ouvidos, mãos e similares de Deus, ele conclui: "Para dizer de modo simples, tudo que é afirmado de Deus como se Ele tivesse um corpo contém um certo significado escondido" (Exact Exposition oh the Orthodox Faith, part one, Ch11; The Father of the Church Traslation, p 191-193).

Hoje em dia tornamo-nos bastante acostumados com a ideia de que Deus é puro Espírito. No entanto, a filosofia do panteísmo (que significa "Deus é tudo"), que está bem espalhado no nosso tempo, procura contradizer essa verdade. Por isso, ainda hoje no Rito da Ortodoxia cantado no Domingo da Ortodoxia o, primeiro domingo da Grande Quaresma, nós ouvimos "para aqueles que dizem que Deus não é Espírito mas carne — Anátema! (o Rito da Ortodoxia é celebrado depois da Liturgia no primeiro Domingo da Grande Quaresma em Igrejas Catedrais aonde um Bispo presida. Nelas, anátemas são proclamados contra heréticos dos tempos antigos e modernos que tentaram destruir as bases dogmáticas da Ortodoxia. Em muitas jurisdições Ortodoxas nas Missas hoje, no entanto, sob a influência de ideias "ecuménicas", esse ofício tem sido abolido e substituído por uma celebração "Pan-ortodoxa", ou por uma celebração "ecuménica").

j - Eterno

A existência de Deus é fora do tempo, pois tempo é somente uma forma de seres limitados, seres mutáveis. Para Deus não há nem passado, nem futuro; só há o presente. "Desde a antiguidade fundaste a terra: e os céus são obra das Tuas mãos. Eles perecerão, mas Tu permanecerás: todos como um vestido envelhecerão: como roupa os mudarás e ficarão mudados. Mas Tu és o mesmo, e os Teus anos nunca terão fim" (Sal. 102, 25-27).

Alguns Santos Padres indicam uma diferença entre o conceito de "eternidade" e "imortalidade". "Eternity" é uma existência viva sempre e esse conceito de "eternidade" é aplicado usualmente para a uma natureza não originada, em que tudo é sempre uno e o mesmo. O conceito de imortalidade de outro lado pode ser atribuído para alguém que foi trazido para a vida como ser e não morre, como por exemplo um anjo ou uma alma. Eterno em seu significado preciso pertence a Divina Essência por isso é que o termo é aplicado usualmente só para "Adorável e Reinante Trindade" (Santo Isidro de Pelusium). Sob esse aspecto ainda mais expressiva é a expressão "O Deus pré-eterno" (como no Kontakion na Natividade de Cristo).

l - Boníssimo

"Misericordioso e piedoso é o Senhor; longânime e grande em benignidade" (Sal. 103, 8). "Deus é amor" (1 Jo. 4, 16). A bondade de Deus estende-se não a uma região limitada do mundo, o que é característico no amor entre os seres limitados, mas ao mundo todo e a todos os seres que nele existem. Ele é amoroso em relação à vida e às necessidades de cada criatura, não importa quão pequena e, que possa parecer insignificante para nós, São Gregório, o Teólogo escreve: “se alguém nos perguntasse o que é que nós reverenciamos, e o que nós veneramos, nós temos uma rápida resposta: "o amor"” (homilia 23).

Deus dá ás suas criaturas tantas coisas boas quanto cada uma pode receber de acordo com sua natureza e condição e tanto quanto corresponda com a harmonia geral do universo, mas é para o homem que Deus revela uma bondade particular. “Deus é como uma mãe-passáro que viu o seu filhote cair do ninho, e voa para baixo para trazê-lo de volta, e então vê o filhote em perigo de ser devorado por uma serpente, então ela grita ansiosamente e voa ao redor desse e dos outros filhotes, não sendo capaz de ficar indiferente a perder um só deles” (Clemente de Alexandria "Exhortations to the Pagans", cap. 10). "Deus ama-nos mais do que um pai ou uma mãe ou um amigo, ou que qualquer outro que possa amar, e ainda mais do que nós podemos amar-nos a nós mesmo, porque Ele está preocupado mais com a nossa salvação do que com Sua própria glória. Um testemunho disso é que Ele enviou para o mundo para sofrer e morrer (na carne humana) Seu Filho Único Gerado, somente para nos revelar o caminho da salvação e da vida eterna" (São João Crisóstomo, comentário sobre o Salmo 114). Se o homem frequentemente não entende o poder completo da bondade de Deus, isso ocorre porque o homem concentra os seus pensamentos e desejos demasiadamente no seu bem-estar terreno. No entanto, a Providência de Deus une e dá-nos coisas terrenas e temporais juntamente com o chamado para adquirir para si, para a sua alma, coisas boas e eternas.

m - Omnisciente

"...Todas as coisas estão unas e patentes aos olhos de Deus" (Heb. 4, 13). "Os Teus olhos viram o meu corpo ainda informe..." (Sal. 139, 16). O conhecimento de Deus é a visão e o imediato entendimento de tudo, tanto no que existe e do que é possível, o presente, o passado e o futuro. Pré-conhecimento do futuro é, estrito senso, visão espiritual, porque para Deus o futuro é como o presente. O pré-conhecimento de Deus não viola o livre arbítrio das criaturas, como a liberdade do nosso vizinho não é violada pelo facto de vermos o que ele faz. O pré-conhecimento de Deus com respeito ao mal no mundo e aos actos dos seres livres é como se ele fosse coroado pelo pré-conhecimento da salvação do mundo, quando "Deus será tudo em todos" (1 Cor. 15, 28).

Outro aspecto da omnisciência de Deus é manifestado na sabedoria de Deus: "Grande é o Nosso Senhor, e de grande poder; o seu entendimento é infinito" (Sal. 147, 5). Os professores e Santos Padres da Igreja, seguindo a Palavra de Deus, sempre indicaram com grande reverência a grandeza da sabedoria de Deus na ordenação do mundo visível, dedicando a esse assunto obras completas, como por exemplo as Homílias sobre os seis dias (Hexaemeron), que é, a história da criação do mundo escrita por Padres, tais como São Basílio, o Grande, São João Crisóstomo, São Gregório de Nissa. "uma folha de grama ou um grão de poeira é suficiente para ocupar a sua vossa mente inteira, contemplando a arte com que foram feitos" (Basílio, o Grande). Ainda mais, reflectiram os Padres sobre a sabedoria de Deus na ecónomia de nossa salvação na encarnação do Filho de Deus. A Sagrada Escritura do Velho Testamento concentra sua atenção primariamente sobre a sabedoria de Deus no arranho ordenado do mundo: "Todas as coisas Fizeste com sabedoria" (Sal. 104, 24). No Novo Testamento, de outro lado, a atenção está concentrada na ecónomia da salvação, em conexão com a qual o Apóstolo Paulo clama: "Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria quanto da ciência de Deus" (Rom. 11, 33). Pois é pela sabedoria de Deus que toda existência do mundo é dirigida para um único propósito — a perfeição e transfiguração para a glória de Deus.

n - Justíssimo

A Justiça é entendida na Palavra de Deus e no seu uso geral como tendo dois significados:
a - santidade;
b - justiça.
A Santidade consiste não só na ausência da malignidade ou pecado: santidade é a presença de valores espirituais mais elevados, juntos com a pureza em relação ao pecado. Santidade é como a luz, e a Santidade de Deus é como a mais pura das luzes. Deus é "um só santo" por natureza. Ele é a fonte da santidade para os anjos e os homens. Os homens podem atingir a santidade somente em Deus "não por natureza, mas por participação, por luta e oração" (São Cirilo de Jerusalém). A Sagrada Escritura testifica que os anjos que rodeiam o trono de Deus sem cessar declaram a Santidade de Deus clamando um para os outros: "Santo, santo, santo é o Senhor dos exércitos: toda a terra está cheia de sua glória" (Is. 6, 3). Como é mostrado na Sagrada Escritura, a luz da santidade enche tudo que vem de Deus ou serve a Deus: "Seu Santo Nome" (Sal. 33, 21; 103, 1; 105, 3); "Sua santa palavra" (Sal. 104, 42); "A lei é santa" (Rom 7, 12); "...trono da sua santidade" (Sal. 47:8); "escabelo de seus pés, porque ele é santo" (Sal. 99, 5); "Justo é o Senhor em todos os Seus caminhos, e santo em todas as Suas obras" (Sal. 145, 17); "...o Senhor nosso Deus é santo" (Sal. 99, 9).
A Justiça de Deus é outro aspecto a ser considerado: "Ele julgará os povos com rectidão" (Sal. 9, 8); "...recompensará cada um segundo as suas obras; porque para Deus, não há acepção de pessoas" (Rom. 2, 6; 11).
Como podemos harmonizar o amor divino com a justiça de Deus, que julga estritamente por pecados e pune os culpados? Sobre esta questão muitos Padres falaram. Eles assemelham a raiva de Deus à raiva de um pai que, com o objectivo de trazer um filho desobediente a seu senso, recorre aos meios paternos de punição ao mesmo tempo em que se aflige, simultaneamente ficando triste com a atitude sem sentido de seu filho e simpatizando com ele pela dor que lhe está infligindo. Eis ai porque a justiça de Deus é sempre misericordiosa, e a sua misericórdia é justiça, de acordo com as palavras: "A misericórdia e a verdade encontraram-se: a justiça e a paz beijaram-se" (Sal. 85, 10).

A santidade e a justiça de Deus estão intimamente ligadas, uma a outra. Deus chama cada um para a vida eterna Nele, no Seu reino e isso significa na Sua santidade. No entanto, no Reino de Deus nada do que é impuro pode entrar. O Senhor limpa-nos por seus castigos, assim como por seus actos providenciais, que previnem e corrigem pelo seu amor para com a sua criação; pois nós devemos passar pelo julgamento da justiça, um julgamento que para nós é terrível: como poderemos entrar no reino da santidade e luz, e como nos sentiremos lá, estando impuros, escuros e não tendo em nós nenhuma semente de santidade, não tendo em nós nenhum tipo de valor espiritual ou moral?

o - Todo-Poderoso (Omnipotente)

"Porque falou, e tudo se fez; mandou, e logo tudo apareceu" — assim o salmista expressou o poder de Deus (Sal. 33, 9). Deus é o Criador do mundo. É Ele que cuida do mundo em Sua providência. Ele é o Pantocrator. Ele é aquele "Que só Ele faz maravilhas" (Sal. 72, 18). No entanto, se Deus tolera a maldade e as pessoas maldosas no mundo, isso não é porque Ele não pode aniquilar a maldade, mas porque Ele nos deu liberdade para nos responsabilizarmos pelos nossos actos. Deu igualmente a liberdade aos seres espirituais e dirige-os para que eles possam livremente, com o seu livre arbítrio, rejeitar a maldade e voltar-se para o bem. Com respeito a questões casuísticas a respeito do que Deus "não pode" fazer, deve responder-se que a omnipotência de Deus é entendida no que é agradável ao Seu pensamento, à Sua bondade.

p - Omnipresente

"Para onde me irei do Teu Espírito, ou para onde fugirei de Tua face? Se subir ao céu, Tu ai estás, se fizer no sol a minha cama, eis que Tu ali estás também. Se eu tomar as asas da aurora, e habitar nas extremidades do mar. Até ali a Tua mão me guiará e a Tua destra me susterá" (Sal. 139, 7-10)

Deus não é sujeito a nenhuma limitação do espaço, mas Ele preenche tudo. Preenchendo tudo Deus, como um simples ser, está presente em todo o lugar, não como se Ele estivesse com alguma parte Sua, mas com todo o Seu ser; e Ele não é confundido com aquilo aonde está presente. "A divindade penetra tudo sem se misturar com nada, mas nada pode penetrá-lo" (São João Damasceno). "Esse Deus está presente em tudo o que conhecemos, mas como nós não entendemos, porque nós só podemos compreender uma presença sensorial, e não nos é dado a nós compreender inteiramente a natureza de Deus" (São João Crisóstomo).

q - Imutável

No "Pai das luzes, não há mudança. Nem sombra de variação" (Tg. 1, 17). Deus é perfeição, e toda a mudança é um sinal de imperfeição e portanto é impensável no mais perfeito ser, em Deus concernente a Deus pode dizer-se que nenhum processo está acontecendo Nele, que seja de crescimento, mudança de aparência, evolução, processo ou qualquer coisa parecida.
No entanto, a imutabilidade em Deus não é algum tipo de imobilidade; não é um ser fechado dentro de Si mesmo, mesmo enquanto sendo imutável, Seu ser é vida, preenchido com poder e actividade. Deus em Si mesmo é vida, e vida é o Seu ser.
A imutabilidade de Deus, não é violada pela geração do Filho e pela processão do Espírito, pois para Deus o Pai, pertence à paternidade, e para o seu Filho, à filiação, e para o Espírito Santo, à processão que é "eterna, interminável e incessante" (São João Damasceno). As palavras, cheias de mistério, "A geração do Filho" e a "processão do Espírito", não expressam nenhum tipo de mudança na vida divina ou nenhum tipo de processo; para as nossas mentes limitadas, "geração" e "processão" são simplesmente colocadas em oposição à ideia de "criação" e falam da única Essência das pessoas ou de Deus. A criação é alguma coisa externa em relação Àquele que cria enquanto que a "filiação" de Deus é uma unidade interna, a unidade da natureza do Pai e do Filho; tal é também a "processão" da Essência de Deus, a processão do Espírito do Pai que a causa.
A Encarnação e o tornar-se homem, a respeito do Verbo, do Filho de Deus, não viola a imutabilidade de Deus. Só as criaturas em suas limitações perdem o que elas têm, ou adquirem o que elas não têm; mas a divindade do Filho de Deus permanece depois da Encarnação sendo a mesma que era antes da Encarnação. Ela recebeu em sua Hipóstase, na unidade da Divina Hipóstase, natureza humana da Virgem Maria mas ela não formou disso nada novo, natureza misturada, mas preservou a sua Natureza Divina sem mudança.

A imutabilidade de Deus não é contraditada, da mesma forma, pela criação do mundo. O mundo é uma existência, que e externa em relação à natureza de Deus. Por isso Ele não muda nem a essência nem os atributos de Deus, pois a origem do mundo é só uma manifestação do poder e pensamento de Deus. O poder e pensamento de Deus são eternos e são eternamente activos, mas a nossa mente de criatura não consegue entender o conceito dessa actividade na eternidade de Deus. O mundo não é co-eterno com Deus; ele é criado. No entanto, a criação do mundo é a realização do pensamento eterno de Deus (Santo Agostinho). O mundo é como Deus em sua essência e assim ele tem que ser mutável e não é sem um começo; mas esses atributos do mundo não contradizem o facto de que o seu Criador é imutável e sem começo (São João Damasceno).

r - Auto-suficiente e todo bem-aventurado

Essas duas expressões são próximas em significado.
O auto-suficiente não deve ser entendido no sentido de "satisfeito consigo próprio". Mais apropriadamente significa a completude da possessão, bem-aventurança completa, a completude de todas as coisas boas. Assim, nas orações antes da comunhão lemos: "Senhor, não sou digno que entre em minha morada..." (Segunda Oração). De novo "Não sou digno de contemplar e ver as alturas do céu..." (Oração de São Simeão, o Tradutor). "Suficiente" significa aqui "espiritualmente adequado", "espiritualmente rico". Em Deus está a suficiência de todas as coisas boas. "Ó, profundidade das riquezas tanto da sabedoria quanto da ciência de Deus!" Exclama o Apóstolo Paulo, "porque Dele e por Ele, e para Ele são todas as coisas" (Rom. 11, 33.36). Deus não tem necessidade de coisa alguma "pois é ele mesmo quem dá a todos a vida, e a respiração, e todas as coisas" (Act. 17, 25). Assim Deus, é Ele mesmo a fonte de toda vida e de toda a coisa boa; dele todas as criaturas derivam a sua suficiência.
Todo Bendito. O Apóstolo Paulo chama duas vezes a Deus em suas Epístolas de "Bem-Aventurado" conforme o Evangelho da glória de Deus bem-aventurado... (1 Tim. 1, 11). "A qual mostrará a seu tempo o bem-aventurado, e único poderoso Senhor, Rei dos reis e Senhor dos senhores" (1 Tim. 6, 15). A palavra "todo bem-aventurado" deve ser entendida não no sentido de que Deus, tendo tudo dentro Dele, seja indiferente aos sofrimentos do mundo criado por Ele; mas sim no sentido de que Dele e Nele, as suas criaturas derivam suas bem-aventuranças. Deus não "sofre" mas Ele é "misericordioso". Cristo "sofreu como mortal" (Cánon da Páscoa) não em Sua Divindade, mas em Sua Humanidade. Deus é a fonte de bem-aventurança. Nele está a completude de alegria, doçura, e júbilo para aqueles que o amam como é dito no Salmo "...na Tua presença há abundância de alegrias: à Tua mão direita há delicias perpetuamente" (Sal. 15, 11).

A Bem-aventurança de Deus tem o seu reflexo no incessante louvor, glorificação e agradecimento, que enche o universo, e quem vem dos altos poderes - os Querubins e Serafins que rodeiam o Trono de Deus, flamejando-o com fragrante amor por Deus. Esses louvores são oferecidos por todo mundo angélico e por todas as criaturas do mundo de Deus: "O sol canta Teus louvores; a lua glorifica-Te; as estrelas suplicam diante de Ti: a luz obedece-Te; as profundezas estão tementes na Tua presença; as fontes são Tuas servas" (Oração da Grande Bênção de Água, Jan.5, Festal Menaion, p. 356).

s - A unidade de Deus

"Por conseguinte, nós acreditamos em um Deus: um princípio, sem começo, incriado, não gerado, indestrutível e imortal, eterno, ilimitado, incircunscritível, irrestrito, infinito em poder, simples não composto, incorporal, imutável, desapaixonado, constante, invisível, fonte de bondade e justiça, luz intelectual e inacessível: poder que não está sujeito a qualquer medida, mas que é medido somente por sua própria vontade, pois Ele pode fazer todas as coisas que lhe agradem; uma essência, um domínio, um reino, conhecido em três hipóstases perfeitas, e conhecido e adorado com uma adoração" (São João Damasceno, Exact Exposotion oh the Orthodox Faith, 1:8; tradução inglesa, p 177).
A verdade da unidade de Deus é agora tão evidente para a consciência humana que ela não necessita de provas da Palavra de Deus ou simplesmente da razão. Foi um pouco diferente no inicio da Igreja Cristã, quando essa ideia teve que ser colocada contra a ideia do dualismo - o reconhecimento de dois deuses, o do bem e o do mal - e contra o politeísmo dos pagãos, que era popular naquele tempo.
Creio em um só Deus. Essas são as primeiras palavras do Símbolo da Fé (Credo). Deus possui toda a completude de ser prefeito. A ideia de completude, perfeição, infinito, omnipotência de Deus não nos permite pensar Nele como sendo outro que o Um, isto é, singular e tendo uma essência em Si mesmo. Essa exigência da nossa consciência é expressada por um dos antigos escritores nas palavras: "Se Deus não é um, então não existe Deus" (Tertuliano). Em outras palavras, uma divindade limitada por outro ser perde a sua divina dignidade.
A Sagrada Escritura do Novo Testamento toda, é cheia de ensinamentos sobre o Deus único. "Pai-nosso que está no céu", oramos na palavra da Oração do Senhor (Mt. 6, 9). "Não há outro Deus, senão um só" é como o Apóstolo Paulo expressa essa verdade fundamental da fé (1 Cor. 8, 4).
A Sagrada Escritura do Velho Testamento é inteiramente penetrada com o monoteísmo. A historia do Velho Testamento é a história da batalha pela fé num verdadeiro Deus contra o politeísmo pagão. O desejo de alguns historiadores da religião de encontrar traços de um suposto "politeísmo original" no povo hebreu em certas expressões, por exemplo, o número plural do nome de Deus - "Elohim" - ou achar uma fé num "Deus nacional" em frases como "O Deus dos deuses", "o Deus de Abraão, Isaac e Jacob" - não corresponde ao significado autêntico dessas expressões.
1 - Elohim. Para um judeu simples essa é uma forma de reverência e respeito (um exemplo disso pode ser visto na língua russa e outras línguas europeias onde a segunda pessoa no plural, "vós" em oposição a "tu", é usada para demonstrar respeito). Para o escritor divinamente inspirado, o Profeta Moisés, o número plural da palavra contém sem dúvida, em acréscimo, o profundo significado mínimo de uma antevisão das Três Pessoas de Deus. Ninguém pode duvidar que Moisés fosse um puro monoteísta, conhecendo o espírito na linguagem hebraica. Ele não usaria um nome que estivesse em contradição com a sua fé no Deus único.
2 - O Deus dos Deuses é uma expressão que coloca fé no verdadeiro Deus contra a adoração de ídolos; aqueles que adoravam os ídolos chamavam-nos de "deus" mas para os judeus, esses eram falsos deuses. Essa expressão é usada livremente no Novo Testamento pelo Apóstolo Paulo; depois de dizer "Não há outro Deus, senão um só", ele acrescenta: "Porque ainda que haja também alguns que se chamem deuses, quer no céu quer na terra (como há muitos deuses e muitos senhores). Todavia para nós há um só Deus, o Pai, de quem é tudo e para quem nós vivemos; e que há um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas, e nós por Ele" (1 Cor. 8, 4-6).
3 - O Deus de Abraão, Isaac e Jacob é uma expressão que se refere só ao povo judeu escolhido como o "herdeiro das promessas" feitas a Abraão, Isaac e Jacob".

A verdade Cristã da unidade de Deus é aprofundada pela verdade da unidade «trihipóstatica».

 

Arcebispo Primaz Katholikos

S.B. Dom ++ Paulo Jorge de Laureano – Vieira y Saragoça
(Mar Alexander I da Hispânea)


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Última actualização deste Link em 01 de Outubro de 2011