Catecismo Ortodoxo

Parte II

Deus Manifestado no Mundo

16 – Ordem (Sacerdócio; Episcopado)
a - Sacerdócio

A respeito do ministério pastoral na Igreja nós já falamos na secção sobre a Igreja. Foi mostrado lá que a Hierarquia foi estabelecida na Igreja pelo próprio Senhor Jesus Cristo, pois ela esteve na Igreja desde o seu início e no período Apostólico ela recebeu uma organização em três graus (Bispo - Presbítero - Diácono).
Mas o ministério hierárquico na Igreja, especialmente aquele do Bispo e do Presbítero, é um ministério especial, um ministério excepcional: é um ministério de graça. Aí nós encontramos o pastoreio do rebanho de Deus, o maior exemplo do qual foi dado pelo Senhor em seu ministério terrestre: “Eu sou o bom pastor e conheço as minhas ovelhas e das minhas sou conhecido. Dou a minha vida pelas ovelhas” (Jo. 10, 14-15). Aqui nós temos uma posição perante o Senhor em oração não só por si mesmo, mas também pelo povo. Aqui nós encontramos a orientação das almas dos homens no caminho para eles atingirem o Reino do Céu. O clero, em nome de todo o povo, oferece o Sacrifício sem Sangue na Divina Liturgia. E se para toda boa obra nós pedimos a bênção de Deus e o auxílio de Deus, podemos nós imaginar entrar em um ministério pastoral - tão exaltado e responsável - entrando nele para toda a vida - sem a invocação da graça de Deus que abençoa esse trabalho, que coopera com ele e reforça o futuro pastor? Essa bênção de facto tem lugar. Ela é trazida sobre aquele que se aproxima com sagrado tremor para a recepção do dom do Sagrado Ministério do Sacerdócio, através da imposição de mãos de um Bispo que carrega através da válida Sucessão Apostólica a graça da plenitude do Sacerdócio, acompanhado pelas orações da inteira congregação do clero e povo que estão presentes no Divino Ofício. É chamado também de Mistério da «Cheirotonia».
A Sagrada Escritura dá indicações claras e directas que a colocação no grau do Sacerdócio é a comunicação de um dom místico especial de doacção da graça, sem o qual esse ministério não pode ser preenchido.

b - Cheirotonia (na Igreja Antiga)

De acordo com a expressão dos Actos dos Apóstolos, quando os Apóstolos que em tudo agiam de acordo com a instrução de Cristo e inspiração do Espírito Santo, acharam necessário colocar Diáconos na Igreja para servir mesas - primeiro mesas comuns, e mais tarde também a Mesa do Senhor - para aliviar os serviços dos Apóstolos, eles antes de tudo ofereceram para a reunião dos seus discípulos escolher entre eles sete homens bem reputados cheios com o Espírito Santo e sabedoria. E quando eles haviam sido escolhidos e colocados diante dos Apóstolos, “estes orando, impuseram-lhes as mãos” (Act. 6, 2-6). Aqui com absoluta clareza e separação, são colocados à parte um do outro, como dois actos distintos, a eleição de certas pessoas para o Ministério do Diaconado e a imposição de mãos sobre elas com orações. A eleição é algo meramente humano, enquanto a imposição de mão é uma acção sagrada especialmente dirigida para esse fim, e um acto da graça Divina.
No mesmo livro dos Actos dos Apóstolos nós temos indicação da imposição de mãos como um acto sagrado por meio do qual os Presbíteros também eram ordenados na Igreja dos primeiros tempos. Falando de como os Apóstolos Paulo e Barnabé iam pregando através das cidades da Ásia Menor - Derbe, Listra, Icónio e Antioquia - aumentando nelas o número de Cristãos, o escritor do livro, o Santo Apóstolo Lucas, informa-nos: “e havendo-lhes... ordenado («cheirotonia» - na versão de João Ferreira de Almeida: eleito) anciãos em cada Igreja, orando com jejuns, os encomendaram ao Senhor...” (Act. 14, 23). Aqui a imposição de mãos, de um lado, é apresentada como um acto sagrado conhecido por todos, por meio da qual os Presbíteros eram ordenados para uma ou outra Igreja, e de outro lado como um acto sagrado que tem uma importância especial como fica claro pelo facto de ter sido realizado pelos próprios Apóstolos Paulo e Barnabé. Fica claro daí que essa ordenação não foi meramente um rito ou um sinal, mas sim a comunicação de um dom especial. E isso é confirmado mais tarde com toda ênfase pelo mesmo Apóstolo Paulo, quando na sua conversa de despedida com os Presbíteros na Igreja de Éfeso ele assim se expressa a respeito deles: “Olhai por vós, e por todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos constitui Bispos, para apascentardes a Igreja de Deus, que ele resgatou com o seu próprio sangue” (Act. 20, 28). Que essa colocação pelo Espírito Santo foi através da colocação apostólica de mãos ou ordenação é evidente no texto acima citado (Act. 14, 23).
Finalmente nas Epístolas do Apóstolo Paulo a Timóteo nós temos uma indicação directa e clara da ordenação como acção sagrada doadora de graça pela qual Bispos eram apontados. Assim, na Primeira Epístola a Timóteo, que foi Bispo da Igreja de Éfeso, o Apóstolo escreve: “Não desprezes o dom que há em ti, o qual te foi dado por profecia, com a imposição das mãos do presbitério” (1 Tim. 4, 14). Em sua outra Epístola para Timóteo ele escreve: “Não desprezes o dom que há em ti, o qual te foi dado por profecia, com a imposição das mãos do presbitério” (1 Tim. 4, 14). Em sua outra Epístola para Timóteo ele escreve: “Por cujo motivo te lembro que despertes o dom de Deus que existe em ti pela imposição das minhas mãos” (2 Tim. 1, 16). Juntando essas duas passagens nós vemos que Timóteo foi ordenado para o Sacerdócio pelo próprio Apóstolo Paulo, ou o que é a mesma coisa, por uma assembleia dos anciãos mais velhos sobre a presidência do Apóstolo Paulo; e da mesma forma, que nessa acção sagrada foi comunicada a Timóteo o dom de Deus e esse dom é para permanecer com ele para sempre com sua herança. Dele é solicitada uma só coisa: não negligenciar o dom, mas mantê-lo aquecido. Que a imposição de mãos aqui significa nada mais que uma ordenação episcopal fica inteiramente confirmado pelas instruções seguintes a Timóteo; delas é evidente que ele foi revestido com autoridade para ordenar outros (1 Tim. 5, 22), ter supervisão sobre aqueles Presbíteros que estavam em sua jurisdição (1 Tim. 5, 17-19), e em geral ser um construtor “na Igreja de Deus, que é a igreja de Deus vivo” (1 Tim. 3, 15).

c - “Eleição” e “Ordenação” na Igreja Antiga

O que tem sido dito leva-nos à indubitável conclusão que os Apóstolos pela autoridade de Cristo, estabeleceram três graus hierárquicos, e que para a elevação de pessoas seleccionadas para esses três degraus foi estabelecida ordenação, que comunica aos ordenados a graça activa de Deus que é indispensável para o seu ministério. Não é necessário dizer que os sucessores dos Apóstolos, os Bispos tinham que preencher precisamente o que tinha sido decretado pelos Apóstolos: isto é, ordenação através da imposição de mãos, juntando nela o mesmo significado exaltado e a mesma importância que tinha sido dada pelos Apóstolos.
E assim tem sido de facto na Igreja nos últimos tempos.
Apesar de na Igreja dos primeiros tempos a ordenação para o grau do sacerdócio ocorrer depois de uma eleição geral, com a concordância da comunidade da Igreja ou da Igreja local, essa “ordenação” era um ato totalmente separado e distinto da concordância ou eleição, e era realizada por pessoas iguais em autoridades aos Apóstolos, e que eram sucessores deles: os Bispos. Assim permaneceu até aos nossos dias. Entre os primeiros testemunhos disso podemos indicar a homilia de São Irineu de Lyon (segundo século), que diz: “Deve-se seguir esses Presbíteros (no sentido de “mais velhos” na Igreja, isto é, Bispos), que estão na Igreja e que, como indicamos, têm a Sucessão dos Apóstolos, e que junto com a sucessão do episcopado, pela boa disposição do Pai, receberam o confiável dom da “verdade”. A expressão, “com a sucessão do episcopado, receberam o dom da verdade”, para evidentemente do dom da graça recebido pela sua ordenação. A mesma ideia pode ser encontrada também em Tertuliano. Em Clemente de Alexandria (terceiro século) já há uma indicação definitiva de que a “eleição” não é tudo que é dado pela ordenação da imposição das mãos, assim como a eleição por Cristo dos Apóstolos entre os quais estava Judas, não foi a mesma coisa que a “ordenação” que os Apóstolos subsequentemente receberam através do sopro de Cristo (Jo. 20, 22). A eleição de certas pessoas para o sacerdócio é o trabalho de homens, mas a ordenação delas não é trabalho de homens, mas de Deus (Clemente, Stromata).
Os Cánones Apostólicos ordenam: “Que um Bispo seja ordenado por dois ou três bispos. Que os Presbíteros, Diáconos, e o resto do clero sejam ordenados por um Bispo” (Cánon 1 e 2); («Seven Ecumenical Councils», p. 594, Eerdmans). Nesses casos é estabelecida a não repetitividade da «cheirotonia» (ordenação): “Se qualquer Bispo, Presbítero ou Diácono receber de alguém uma segunda ordenação, que tanto o ordenado quanto o ordenador seja depostos; a menos que de facto possa ser provado que a ordenação tinha vindo de heréticos” (Cánon 68; pg. 598, Eerdmans). Assim a graça dada na «cheirotonia» do sacerdócio é reconhecida como tão imutável e indelével quanto a graça dada no Baptismo. No entanto, a graça da «cheirotonia» é especial e distinta da graça que é dada no Baptismo e no Mistério do Crisma.

d - A Essência e as Palavras da Efectuação do Mistério

Assim o Mistério do Sacerdócio é uma acção sagrada que, através da imposição das mãos com orações por um Bispo sobre a cabeça da pessoa escolhida, traz para essa pessoa a graça divina que santifica e a ordena para um determinado grau de hierarquia da Igreja e mais tarde coopera com a pessoa para passar através das obrigações hierárquicas. A oração da «cheirotonia» é a seguinte: “A divina graça que sempre cura o que está enfermo e completa o que está faltando, eleva (nome) o devotadíssimo Subdiácono, para ser Diácono (ou Diácono, para ser Presbítero). Por isso, oremos por ele, para que a graça do Santíssimo Espírito venha sobre ele”.
O Mistério da «Cheirotonia» é sempre incluído no rito da Divina Liturgia. Distinta do Mistério da «Cheirotonia» é a ordenação por oração para as Ordens Menores do clero (Leitor, Subdiácono); essa ordenação é chamada de «cheirotesia» (de uma palavra grega que tem um significado puramente eclesiástico Cristão e veio a ser usado mais tardiamente).

e - O celibato dos Bispos

Para um Bispo existe a obrigação do celibato. Nos primeiros séculos do Cristianismo tal demanda não era obrigatória, mas mesmo nos tempos apostólicos era permitido aos Bispos evitar o casamento com o objectivo da luta ascética de continência. Esse costume tornou-se reforçado e o Sexto Concílio Ecuménico fez dele um cánon. Com respeito a Presbíteros e Diáconos, a Igreja considerou que tal carga não deveria ser posta sobre eles como obrigatória, e que o antigo cánon que proíbe o clero, depois da ordenação, casar, mas que aceita ao Mistério do Sacerdócio pessoas que já sejam casadas, olhando mesmo isso como natural e normal, fosse seguido. Um segundo casamento assim como ter como mulher uma que já tivesse sido casada, são obstáculos para a ordenação. Na Igreja Católica Apostólica Romana do quarto ao sexto século, o celibato começou a ser introduzido igualmente para Padres e Diáconos. Essa inovação foi rejeitada pelo Sexto Concílio Ecuménico; mas essa proibição não foi atendida pelos Papas Romanos.
Os Protestantes rejeitam o sacerdócio como um “sacramento”. Os seus pastores são só eleitos e apontados pelo povo, mas não recebem nenhum tipo especial de consagração, e nesse sentido eles não são distinguidos de nenhum membro comum de suas comunidades. Historicamente isso é explicado pela oposição aos abusos de direitos pelo clero latino no final da Idade Média. Os Protestantes fizeram como sua justificativa teórica a opinião que a ordenação ao sacerdócio começou a ser chamado pelo nome fixo de “sacramento” somente em tempos mais recentes. Mas com certeza tal justificativa não tem nenhum valor. Nós vemos do ensinamento e da prática dos Apóstolos, e da constante crença da Igreja, que «cheirotonia» desde o inicio era uma acção sagrada dadora de graça sacramental, e portanto o facto de que em um período posterior ela começou a ser chamada de “sacramento” não introduziu nada novo, mas só expressou sua essência mais precisamente em uma só palavra. De modo similar, por exemplo, o termo «homoousios», aceito no Primeiro Concílio Ecuménico, não introduziu nada novo no antigo ensinamento da Igreja sobre a Divindade do Filho de Deus, mas só definiu mais precisamente e confirmou a divindade. Desafortunadamente, eruditos protestantes, defendendo a falsa posição do Protestantismo, continuam teimosamente, mas sem prova, a deduzir os reais conceitos dos Mistérios Cristãos da prática dos mistérios pagãos.

 

Arcebispo Primaz Katholikos

S.B. Dom ++ Paulo Jorge de Laureano – Vieira y Saragoça
(Mar Alexander I da Hispânea)


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Última actualização deste Link em 01 de Outubro de 2011